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Janeiro Branco: cuidar da saúde mental apesar dos preconceitos.



- “Como você fez isso? Ele se sentir melhor?”, questiona a Alegria.

- “Não sei” – responde a Tristeza – “ele estava triste e eu o ouvi”.

 

(Divertida Mente, Pixar, 2015)

 

Para começar, me permita fazer algumas perguntas e já adianto que não tenho a pretensão em respondê-las, mas provocar uma reflexão em torno delas. Como pensar janeiro branco quando se falta o básico para uma pessoa viver bem: alimentação, água potável, saneamento, medicamentos, acesso à saúde de qualidade? Sem falar dos estigmas sobre a saúde mental que já vem da base, por falta da educação. Janeiro, por incrível que pareça, é o mês que mais tem a evasão de pessoas na clínica, as pessoas começam a desistir e só voltam após março. Então, como pensar essa saúde mental? De que saúde mental estamos falando? Quais são os pormenores e o que podemos fazer como profissionais e sociedade para que todos tenham acesso à saúde de qualidade?

Janeiro Branco é um mês que debate, promove reflexões e chama a atenção dos indivíduos, das instituições, da sociedade e das autoridades para as necessidades relacionadas à saúde mental dos seres humanos. A saúde mental é de todos/todas e para todos/todas! Entretanto, a realidade social impossibilita que muitas pessoas tenham acesso a um tratamento e acompanhamento especializado. Um outro obstáculo é o olhar preconceituoso de muitos quando alguém procura ajuda de um psicanalista, psicólogo/psicóloga ou psiquiatra para enfrentar os sofrimentos psíquicos, tal olhar não ajuda em nada o indivíduo que sofre. Falas do tipo: frescura, preguiça e falta de força de vontade. São apenas alguns dos adjetivos que vemos comumente serem usados para se referir a alguém com depressão, por exemplo. Porém, mais do que não ajudar, a utilização desses termos pode movimentar sentimento de culpa, angústia e estagnação no indivíduo deprimido. Segundo dados da OMS (Organização Mundial de Saúde), a depressão é hoje a doença mais incapacitante do mundo. Só no Brasil, cerca de 10% da população já recebeu o diagnóstico desse transtorno. Fazer análise, psicoterapia e/ou consulta psiquiátrica, é um cuidado especial importante quando o sofrimento altera o bem-estar e qualidade de vida do indivíduo.

Hoje em dia, muitos têm acesso à internet e, quando se sente algo estranho nas emoções, a pessoa vai ao Google, digita o que acha que é um sintoma, se identifica com algo lido e já se faz apressadamente uma espécie de “diagnóstico”. Então, é cada vez mais comum escutar pessoas dizerem: “Pelo que vi na internet tenho transtorno de ansiedade generalizada!” ou “Tenho TDAH pelo que um influencer disse”. Vivemos em uma época onde no lugar do indivíduo tem um rótulo. Todavia, apenas o profissional especializado pode dar um psicodiagnóstico! 

Gosto do olhar que vem a partir do psicanalista Winnicott, quando se diz que normalidade é manifestar todas as emoções e sentimentos que dizem respeito ao ser humano, mas parece que em nossos dias sentir tristeza é algo proibido. Para os winnicottianos, a normalidade é poder regredir quando a vida aperta para se refazer e assim prosseguir. A visão de Winnicott é muito humanizada, é um olhar além do adoecimento. Sendo assim, se “diagnosticar” por meio de pesquisas feitas no Google, ou do que alguém disse em alguma rede social é algo preocupante. Até porque é mais fácil diagnosticar do que ir a fundo no subjetivismo do psiquismo, respeitando a singularidade de cada indivíduo. É preciso levar em consideração a história de vida de cada pessoa em sua particularidade. Também aproveito para dizer que o objetivo de uma análise não é formar pessoas iguais ao seu analista, mas sim, ter uma vida mais interessante (que é algo bem subjetivo) e assim ampliar o repertório psicológico para que aquela pessoa possa viver de maneira saudável. Portanto, que possamos substituir os estigmas por estima, afinal, a vida pede equilíbrio.

 

Daniel Lima, Psicanalista.

www.psicanalisedaniellima.blogspot.com

daniellimagoncalves.pe@gmail.com

@daniellima.pe

 

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