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Psicanálise, uma possível cura pelas palavras

 “A psicanálise? Uma das mais fascinantes modalidades do gênero policial, em que o detetive procura desvendar um crime que o próprio criminoso ignora.”

(Mario Quintana)

 

Recentemente escrevi sobre “a psicanálise e o processo analítico em poucas palavras”, onde digo que a proposta da psicanálise é ajudar a pessoa a se entender, não no sentido de se conhecer por completo, mas sim, discernir as motivações inconscientes dos comportamentos, discernir as fantasias que estão por trás das relações, sintomas, mal-estar, etc. 

Na psicanálise, o profissional ajuda a pessoa a se escutar e isso até mesmo quando a pessoa traz a sensação de estar perdido, porque este sentimento, na verdade, pode ser um estar fugindo do seu desejo, fugindo de si mesmo e, a psicanálise possibilita o reconciliar-se consigo mesmo. Porém, no texto pretendo apresentar em poucas palavras como se dá o processo chamado “cura pelas palavras”.

 

O conflito do recalque

 

Freud ao investigar os sintomas no corpo, pela via da fala e da linguagem de suas pacientes histéricas, deparou-se com o conflito e com o recalque. Descobriu que a função do eu é resistir e que a resistência cria mais resistência ainda, na forma de sintomas como formações do inconsciente e retorno do recalcado. Por isso Lacan disse que o inconsciente mente para dizer a verdade. 

Sendo assim, a análise é como uma operação de leitura com função de escrita de outro texto. Freud inventa a psicanálise como um método de leitura e deciframento das formações do inconsciente – “O eu não é senhor de sua morada”. Então, o analista é alguém que ajuda aquele que sofre a ler o seu inconsciente a fim de encontrar formas menos sofridas, de modo que possa encontrar a si mesmo, sua singularidade perdida no emaranhado das identificações e dos mandatos superegóicos. Mas nada disso acontece sem antes haver sofrimento, angústia e desejo decidido de saber. 

 

O caso de Ana O.

 

Bertha Pappenheim, mais conhecida como Ana O., era uma jovem nobre de Viena, que passou a desenvolver sintomas do então chamado quadro histeria. Ela, aos 21 anos, sofria com alucinações, paralisia, fortes dores no corpo entre outros sintomas, no entanto, as avaliações médicas indicavam que ela estava com boa saúde. Freud foi convidado por Breuer para analisar o caso da jovem. Os traumas de infância vieram à tona e assim foi possível compreender a origem dos sintomas manifestados pelo corpo. Então, surgia o conceito da “cura pela fala”.

A partir das experiências com os atendimentos em seu consultório, Freud aperfeiçoou o conceito de cura pela fala experimentada por Ana O. e o denominou como livre associação de ideias. Esse método consiste em incentivar o paciente a falar e desabafar pensamentos e sentimentos, colocar para fora aquilo que está dentro, mesmo que em um primeiro momento pareçam abstratos – “A regra é […] convidar o outro a dizer tudo o que lhe vem à cabeça” (Jacques-Alain Miller). 

 

A experiência, antes da prática

 

O analista antes de qualquer coisa é alguém que passou pelo percurso de uma análise, ou que ainda está nela, mas já avançou minimamente para acolher outros no percurso do dizer livremente tudo o que se passa pela cabeça, sem o filtro da censura, sem meias-palavras, mesmo com medo, vergonha, sofrimento ou qualquer outro afeto que possa emergir diante do saber sobre si. Os efeitos da fala e da escuta sem julgamentos são imprevisíveis, mas existem.

Em 1905 Freud afirmou que a psicanálise é um procedimento de cura para aqueles que não encontram em outros tratamentos alívios significativos para o seu sofrimento. Pessoas que estavam incapacitadas de viver uma vida em que fosse possível amar e trabalhar. 

 

Reedição de sua história

 

A psicanálise é uma cura do ser, um processo de transformação que por meio do sofrimento, o paciente reedita sua história, ou seja, a psicanálise cura desde que compreendamos a cura como uma transformação em algo novo e não um retorno ao que era antes. No processo analítico, a elaboração põe fim à repetição, de modo que se promove no decorrer de uma análise, um enriquecimento da vida e o desenvolvimento de recursos pessoais que permanecerão e possibilitarão prosseguir por nossa própria conta, ou seja, nos responsabilizando pelo próprio desejo. Portanto, sim, a psicanálise cura!

 

Daniel Lima, Psicanalista.

www.psicanalisedaniellima.blogspot.com

daniellimagoncalves.pe@gmail.com

@daniellima.pe

 

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