Quando Schopenhauer diz que vivemos “entre a ânsia de ter e o tédio de possuir”, ele está descrevendo algo que todos sentimos no dia a dia: corremos atrás de algo, conquistamos, e pouco tempo depois aquilo perde o brilho. Para ele, isso não acontece porque somos “exigentes demais”, mas porque existe dentro de nós uma força que nunca se satisfaz totalmente — uma vontade básica, sempre inquieta, que nos empurra para frente. Por isso a busca nunca termina, e quando finalmente conseguimos algo, logo surge uma sensação de vazio, como se ainda faltasse alguma coisa. Essa visão nos ajuda a entender por que a vida parece andar em ciclos: queremos, conseguimos, nos cansamos, e voltamos a querer. Freud, por outro caminho, chega a uma compreensão parecida. Ele não fala de uma “vontade metafísica”, mas de pulsões: forças internas que nos movem e buscam se descarregar. A ânsia de ter seria a tensão que sentimos quando algo dentro de nós pede satisfação; já o tédio de possuir aparece quando recebemo...
I. O paradoxo inaugural: formar-se para o impossível No campo das profissões, a formação do psicanalista ocupa um lugar singular – e intrinsecamente inquietante. Diferentemente de médicos, advogados ou engenheiros, cuja habilitação se dá por diplomas, estágios e provas de competência técnica, o psicanalista não se constitui pela mera acumulação de conhecimentos nem pela chancela de uma instituição acadêmica. Freud, em um gesto de lucidez radical, nomeou a psicanálise como uma das “profissões impossíveis”, lado a lado com educar e governar. Essa impossibilidade não significa que seja irrealizável, mas sim que se funda numa limitação estrutural: a de dominar o inconsciente, de antecipar o que se passa no outro, de controlar os efeitos da própria presença. Paradoxalmente, essa impossibilidade não é um obstáculo, mas a própria condição ética da prática. O analista molda-se no reconhecimento de que não existe saber absoluto sobre o sofrimento humano, de que cada sujeito ...