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Dezembrite: quando o fim do ano pesa por dentro

A chamada dezembrite é um termo popular que passou a nomear um mal-estar bastante reconhecível para muitas pessoas: cansaço extremo, irritabilidade, tristeza difusa, ansiedade e uma sensação de sobrecarga emocional que costuma se intensificar em dezembro. Não se trata de um diagnóstico clínico, mas de uma palavra que ajuda a dar forma a uma experiência comum. Ao nomear algo que antes era vivido de maneira confusa, o termo permite reconhecer que o sofrimento de fim de ano não é individual nem sinal de fraqueza, mas uma resposta a um conjunto de pressões próprias desse período. O mês de dezembro concentra exigências que se acumulam ao longo do ano. No trabalho, há metas a fechar, prazos a cumprir e avaliações a enfrentar. Na vida pessoal, surgem compromissos familiares, encontros sociais, expectativas de convivência harmoniosa e a ideia de que é preciso “celebrar”. A tudo isso se somam as comparações inevitáveis, muitas vezes alimentadas pelas redes sociais, onde a felicidade parece obri...
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Consumismo natalino e o vazio: por que presentes não preenchem a falta?

  O Natal se tornou, ao longo do tempo, um dos momentos mais intensos de convocação ao consumo. Vitrines iluminadas, propagandas emotivas e discursos sobre “merecimento” constroem a ideia de que a felicidade pode ser adquirida, embrulhada e entregue. O presente passa a ocupar um lugar simbólico central: ele promete reparar ausências, restaurar vínculos e produzir alegria imediata. No entanto, para muitas pessoas, o período termina com um sentimento difuso de frustração ou esgotamento. Algo não se completa. A psicanálise ajuda a compreender esse mal-estar ao mostrar que o vazio que se tenta preencher com objetos não é um erro da vida moderna, mas uma condição estrutural da experiência humana. Do ponto de vista psíquico, a falta não é algo que possa ser eliminado. É justamente a partir dela que o desejo se constitui. Desejamos porque não somos completos, porque algo nos escapa. Quando o consumo promete preencher essa falta, cria-se uma ilusão potente, porém frágil. O objeto comprado ...

A criança que fomos e o natal que inventamos: retornos do inconsciente

Há algo no Natal que escapa às luzes, às vitrines e ao calendário. Essa época do ano parece abrir fendas por onde retornam afetos antigos, desejos infantis e cenas que nunca desapareceram de fato — apenas se recolheram em silêncio. Freud nos ensinou que o inconsciente não conhece tempo: nele, o passado continua ativo, vivo, pulsante. Por isso, mesmo adultos que se dizem “desligados” das festas podem se ver tomados por uma saudade inexplicável, por um entusiasmo desmedido ou por uma tristeza que não sabem nomear. O Natal, com sua atmosfera carregada de símbolos, funciona como um disparador emocional que convoca a criança que um dia fomos — a criança que esperou, desejou, temeu, fantasiou. Para Freud, aquilo que retorna nas festas não é uma lembrança literal, mas um  traço mnêmico : um resto afetivo que sobreviveu às transformações da vida adulta. Músicas, cheiros, rituais e encontros familiares atualizam esses traços e despertam emoções que pertencem a camadas profundas da psique. I...

A solidão em tempos de hiperconectividade

Nunca estivemos tão conectados — e, paradoxalmente, tão sós. Mensagens chegam instantaneamente, imagens circulam sem cessar, estamos “presentes” em dezenas de espaços ao mesmo tempo. Ainda assim, cresce um sentimento difuso de vazio, de abandono silencioso, de desencontro consigo e com o outro. A solidão contemporânea não nasce mais da ausência física, mas muitas vezes do excesso de presenças superficiais. Estamos cercados de contatos, mas carentes de encontros.   A psicanálise ajuda a compreender que o ser humano não busca apenas companhia, mas reconhecimento psíquico. Desde Freud, sabemos que não basta estar com alguém: é preciso ser visto em sua singularidade. Quando isso falha, emerge um tipo de solidão que não é espacial, mas afetiva. Alguém pode estar rodeado de pessoas e, ainda assim, sentir-se profundamente só, pois não se sente escutado, desejado, nem verdadeiramente acolhido.   Winnicott nos ensinou que o amadurecimento emocional depende da experiência de um ambiente...

O que tentamos comprar quando nada parece bastar?

  A oniomania, ou compulsão por compras, ilumina uma pergunta que acompanha a psicanálise desde seu nascimento:  como lidamos com aquilo que nos falta?  Para Freud, a vida psíquica é movida por uma estrutura simples e profunda: desejamos porque não temos, e nunca teremos tudo. O desejo nasce justamente desse intervalo entre nós e o objeto que supostamente nos completaria. Por isso, nenhum objeto oferece satisfação plena; ele sempre carrega uma promessa de preenchimento, mas também a frustração de não cumprir totalmente aquilo que imaginávamos. No caso das compras compulsivas, o item adquirido funciona como uma tentativa de “resolver” essa falta constitutiva. Mas, como Freud mostra, quando o objeto é usado para encobrir um mal-estar interno, ele se desgasta rapidamente — e o sujeito precisa comprar outro, depois outro, e assim por diante. A modernidade, com seu apelo constante ao consumo, apenas dá nova forma a uma dinâmica que, na verdade, é bem antiga no psiquismo humano...

Entre a ânsia de ter e o tédio de possuir: Schopenhauer à luz da psicanálise

Quando Schopenhauer diz que vivemos “entre a ânsia de ter e o tédio de possuir”, ele está descrevendo algo que todos sentimos no dia a dia: corremos atrás de algo, conquistamos, e pouco tempo depois aquilo perde o brilho. Para ele, isso não acontece porque somos “exigentes demais”, mas porque existe dentro de nós uma força que nunca se satisfaz totalmente — uma vontade básica, sempre inquieta, que nos empurra para frente. Por isso a busca nunca termina, e quando finalmente conseguimos algo, logo surge uma sensação de vazio, como se ainda faltasse alguma coisa. Essa visão nos ajuda a entender por que a vida parece andar em ciclos: queremos, conseguimos, nos cansamos, e voltamos a querer. Freud, por outro caminho, chega a uma compreensão parecida. Ele não fala de uma “vontade metafísica”, mas de pulsões: forças internas que nos movem e buscam se descarregar. A ânsia de ter seria a tensão que sentimos quando algo dentro de nós pede satisfação; já o tédio de possuir aparece quando recebemo...

A formação do psicanalista: entre o impossível, o ético e o inacabado

  I. O paradoxo inaugural: formar-se para o impossível   No campo das profissões, a formação do psicanalista ocupa um lugar singular – e intrinsecamente inquietante. Diferentemente de médicos, advogados ou engenheiros, cuja habilitação se dá por diplomas, estágios e provas de competência técnica, o psicanalista não se constitui pela mera acumulação de conhecimentos nem pela chancela de uma instituição acadêmica. Freud, em um gesto de lucidez radical, nomeou a psicanálise como uma das “profissões impossíveis”, lado a lado com educar e governar. Essa impossibilidade não significa que seja irrealizável, mas sim que se funda numa limitação estrutural: a de dominar o inconsciente, de antecipar o que se passa no outro, de controlar os efeitos da própria presença.   Paradoxalmente, essa impossibilidade não é um obstáculo, mas a própria condição ética da prática. O analista molda-se no reconhecimento de que não existe saber absoluto sobre o sofrimento humano, de que cada sujeito ...
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