O encontro e o desencontro na era digital: considerações complementares sobre a “tinderização” das relações.
Se o fenômeno da “tinderização”, como discutido anteriormente, revela faces de efemeridade, narcisismo e individualismo extremo, por outro lado, ele também abre espaço para novas configurações de afetos e para o surgimento de possibilidades que escapam às estruturas tradicionais das relações amorosas e sexuais. É necessário, portanto, ampliar o olhar para esse fenômeno, investindo em uma reflexão mais aberta sobre as ambiguidades e potências da experiência mediada digitalmente.
Em tempos nos quais a fragmentação do cotidiano, a sobrecarga de informações e o “tempo rápido” das redes parecem impossibilitar o vínculo, o florescimento dos aplicativos pode ser entendido também como resposta à solidão urbana e à busca legítima por pertencimento. Aplicativos de encontros fornecem meios democratizados de acesso a novos círculos, propõem uma espécie de “vitrine” da diversidade humana e permitem que indivíduos com interesses ou orientações antes invisibilizadas encontrem ressonância e acolhimento. Há aí uma potência inclusiva, sobretudo perante padrões culturais e sociais historicamente opressores.
Contudo, esses mesmos instrumentos carregam a contradição fundamental: a ampliação da potencialidade de escolha convive com a incerteza quanto ao sentido do encontro. O excesso de possibilidades pode conduzir à paralisia, ao medo do comprometimento e à naturalização de escolhas precárias, reforçando a vivência do descartável. Surge, então, a necessidade de resgatar o valor do tempo, da paciência e da construção conjunta e, sobretudo, de cultivar uma escuta genuína para o outro.
Do ponto de vista ético, o desafio reside em exercitar o cuidado – consigo, com o outro e com a relação. Isso passa por reconhecer que todo encontro, ainda que mediado pela tecnologia, é espaço potencial para o imprevisto, para o desconcerto e para a surpresa, aspectos que compõem a riqueza do laço humano. O esvaziamento e o automatismo não são destinos incontornáveis, mas sintomas possíveis de um uso acrítico ou alienado das ferramentas digitais.
Por fim, é essencial não perder de vista a dimensão subjetiva e existencial desses fenômenos. Diante da avalanche de matches e desconexões, a experiência do desejo, do afeto e da falta permanece. O trabalho de elaboração, de luto diante das frustrações e de abertura para o inesperado são tarefas tão necessárias hoje quanto em qualquer outro tempo. Talvez o desafio contemporâneo esteja em operar um duplo movimento: que consigamos, ao mesmo tempo, navegar com consciência nas superfícies digitais e mergulhar nas profundezas dos encontros reais, permitindo à singularidade do outro escapar à lógica da performance e do consumo.
O convite, portanto, não é o de uma rejeição das novas formas de relacionamento, mas o de uma apropriação reflexiva e ética desses espaços, para que possam, de fato, ampliar a experiência do encontro e da alteridade, em vez de reduzi-la a mais uma mercadoria da era líquida.
Daniel Lima | Psicanalista | @daniellima.pe
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