Pular para o conteúdo principal

Setembro Amarelo: Um Breve Olhar Psicanalítico Sobre o Suicídio


A morte do suicida é diferente, pois ela não é coisa que venha de fora, mas gesto que nasce de dentro. O seu cadáver é seu último acorde, término de uma melodia que vinha sendo preparada no silêncio do seu ser”.
(Rubem Alves)

O Setembro Amarelo é uma campanha de conscientização sobre a prevenção do suicídio, um mês voltado para esta temática. No entanto, o suicídio é algo que acontece o ano todo, por esta razão precisamos romper com os preconceitos desmistificando e falando mais sobre o assunto quebrando os tabus. No Brasil, foi criado em 2015 pelo CVV (Centro de Valorização da Vida)CFM (Conselho Federal de Medicina) ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), com a proposta de associar à cor ao mês que marca o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio (10 de setembro).
A palavra suicídio deriva do latim sui (si mesmo) e caederes (ação de matar), ou seja, é um gesto de autodestruição, realização do desejo de morrer ou dar fim à própria vida. O suicídio é um fenômeno complexo e causado por vários fatores que pode afetar indivíduos de diferentes origens, faixas etárias, condições socioeconômicas, orientações sexuais e identidades de gênero. Mas o suicídio pode ser prevenido, e saber reconhecer os sinais de alerta é o primeiro passo.
No Brasil a média é de 6 a 7 mortes por 100 mil habitantes, bem abaixo da média mundial que é entre 13 e 14 mortes por 100 mil pessoas. O que preocupa é que, enquanto a média mundial permanece estável, esse número tem crescido no Brasil e o maior aumento é registrado entre jovens de 15 a 25 anos. Os homens normalmente se matam mais, embora as mulheres tentem mais vezes. Outro dado relevante é que homossexuais, bissexuais e transexuais têm índices maiores de suicídio, talvez essas tendências estão ligadas a causas culturais e preconceitos sociais. A cada 40 segundos uma pessoa se mata no mundo, totalizando quase um milhão de pessoas todos os anos, de modo que estima-se que de 10 a 20 milhões de pessoas tentam o suicídio a cada ano. Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), 90% dos casos de suicídio podem ser prevenidos. Também é preciso ter atenção as pessoas que convivem com o suicida, pois a cada suicídio de 6 a 10 pessoas são diretamente impactadas sofrendo sérias consequências difíceis de serem reparadas.
Sendo assim, é preciso entender as diferenças que envolvem esse fenômeno. Violência autoprovocada: Compreende ideação suicida, autoagressões, tentativa de suicídio e suicídio consumado; Ideação suicida: Quando o suicídio é visto como uma saída para uma situação de sofrimento. Pode abrir as portas para um plano de suicídio. No caso de crianças e adolescentes, isso pode acontecer quando há uma depressão grave com baixa autoestima, humor deprimido, incapacidade de ver que sua situação pode melhorar, sentimento de que não há motivos para viver ou nenhuma chance de ser feliz. Autoagressão: Qualquer ato intencional de automutilação (com faca, aparelho de barbear, caco de vidro, etc) ou outras formas de causar dano a si mesmo (como queimar-se com cigarro), sem intenção de morte. Por vezes, crianças e adolescentes relatam que se auto agridem com o objetivo de controlar e/ou aliviar uma dor emocional. Tentativa de suicídio: Quando o indivíduo se auto agride com a intenção de tirar a própria vida, utilizando um meio que acredite ser letal, sem resultar em óbito. Suicídio: Ato deliberado de tirar a própria vida, com desfecho fatal.
Fatores que podem aumentar o risco de autoagressão ou tentativa de suicídio em crianças e adolescentes: História de tentativas de suicídio ou autoagressão (por ex., automutilação); Histórico de transtorno mental; Bullying; Situação atual ou anterior de violência intra ou extrafamiliar; História de abuso sexual; Suicídio(s) na família; Baixa autoestima; Uso de álcool e outras drogas; Populações que estão mais vulneráveis a pressões sociais e discriminação, tais como: LGBTI+, indígenas, negros(as), situação de rua, etc.
Sinais de alerta para o comportamento suicida: Preocupação com sua própria morte ou falta de esperança; Expressão de ideias ou de intenções suicidas; Diminuição ou ausência de autocuidado; Mudanças na alimentação e/ou hábitos de sono; Uso abusivo de drogas/álcool; Alterações nos níveis de atividade ou de humor; Crescente isolamento de amigos/família; Diminuição do rendimento escolar; Autoagressão: — Mudanças no vestuário para cobrir partes do corpo, por exemplo, vestindo blusas de manga comprida; — Relutância em participar de atividades físicas anteriormente apreciadas, particularmente aquelas que envolvem o uso de shorts ou roupas de banho, por exemplo.
O ser humano é o único ser vivo capaz de dar fim à própria vida, também é o único que possui linguagem, talvez aí esteja uma pista. Dentro da psicanálise existem muitas explicações, já que o sujeito é singular, não pode haver apenas uma resposta. Diante da impossibilidade de atender as demandas de uma sociedade que tem como ideal a felicidade, a morte pode no íntimo de cada sujeito aparecer como uma alternativa. Porém, existe um paradoxo, pois segundo Freud “é impossível imaginar nossa própria morte e, sempre que tentamos fazê-lo, podemos perceber que ainda estamos presentes como espectadores. Por isso, a escola psicanalítica pôde aventurar-se a afirmar que no fundo ninguém crê na própria morte, ou, dizendo a mesma coisa de outra maneira, que no inconsciente cada um de nós está convencido de sua própria imortalidade” (Freud, 1915).
Portanto, se no inconsciente não existe uma representação da própria morte, como podemos pensar o suicídio por um prisma psicanalítico? O que leva um indivíduo escolher a própria morte? Será ela uma escolha? Conforme Cassorla, “o suicida não quer morrer – na verdade ele não sabe o que é a morte. Aliás, ninguém sabe. O que ele deseja é fugir do sofrimento” (Cassorla, 1991). Assim, podemos entender, segundo Cassorla que na verdade o suicida não busca a morte com seu ato, porém ele almeja é uma fuga desse sofrimento insuportável que o impede de viver; o suicídio aparece como única saída. Assim sendo, não existe uma única justificativa para esse ato, pois ele é singular, insto é, tem relação com a história de cada sujeito e sua constituição subjetiva. A ocorrência ou não do suicídio vai depender das condições simbólicas do sujeito, ou seja, da sua capacidade de lidar com o que lhe causa mal-estar; se ele irá responder pela via do real com a morte ou buscar elaborar por meio da palavra.
Numa perspectiva lacaniana, o suicídio pode ser pensado enquanto um ato que vem no lugar de dizer. “Não basta um fazer para que haja ato, não basta que haja movimento, ação; é preciso que haja também um dizer que marque e que fixe esse ato”. (Farah, 2000). Segundo o psicanalista francês Jacques Lacan no seminário 10 existem três características principais presentes no ato. A primeira se refere a linguagem, aquilo que é impossível de ser dito, acaba por ser atuado. Já a segunda característica se refere à mudança, pois depois que o ato acontece não há como voltar atrás, depois disso o sujeito não será o mesmo. A terceira diz respeito ao ato ser acéfalo, levando em conta que nele o sujeito não se reconhece, o sujeito do inconsciente não se faz presente no ato. Com o auxílio de um profissional especializado, o sujeito através da fala será capaz de compreender melhor a importância dos fatores envolvidos em seu sofrimento.
O sofrimento pode se tornar suportável se o indivíduo puder contar com a ajuda de outro ser humano, um profissional especializado em sofrimento que utilizará seu conhecimento para compreender esse mal-estar e ajudar a transformá-lo, ressignifica-lo. Muitas pessoas que pensam em suicídio estão descrentes e não conseguem ver nenhuma saída, porém essas saídas existem e podem ser encontradas desde que se deixe ser ajudadas. É preciso deixar de ter medo de falar sobre o assunto, derrubar tabus e compartilhar informações ligadas ao tema. As ideias suicidas e tentativas de morte são formas de pedir ajuda. Especialistas em saúde mental podem identificar sintomas de transtornos mentais na maioria das pessoas que optaram pelo suicídio.

Você não está sozinho! Falar é a melhor solução!

Daniel Lima
Psicanalista em Formação Permanente;
Licenciado em Filosofia;
Pós-graduando em Psicanálise e Teoria Analítica;
Pós-Graduando em Filosofia e Autoconhecimento.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Psicanálise, uma possível cura pelas palavras

  “A psicanálise? Uma das mais fascinantes modalidades do gênero policial, em que o detetive procura desvendar um crime que o próprio criminoso ignora.” (Mario Quintana)   Recentemente escrevi sobre “a psicanálise e o processo analítico em poucas palavras”, onde digo que a proposta da psicanálise é ajudar a pessoa a se entender, não no sentido de se conhecer por completo, mas sim, discernir as motivações inconscientes dos comportamentos, discernir as fantasias que estão por trás das relações, sintomas, mal-estar, etc.  Na psicanálise, o profissional ajuda a pessoa a se escutar e isso até mesmo quando a pessoa traz a sensação de estar perdido, porque este sentimento, na verdade, pode ser um estar fugindo do seu desejo, fugindo de si mesmo e, a psicanálise possibilita o reconciliar-se consigo mesmo. Porém, no texto pretendo apresentar em poucas palavras como se dá o processo chamado “cura pelas palavras”.   O conflito do recalque   Freud ao investi...

O carnaval como metáfora dos ciclos da experiência humana na psicanálise

O carnaval é uma festa que marca o início e o término de um ciclo na cultura brasileira. Mas o que esse ciclo significa do ponto de vista psicanalítico? Neste texto, vamos explorar como a psicanálise, ao explorar os profundos meandros da mente humana, fornece uma lente única através da qual podemos entender a metáfora do início e término do carnaval como ciclos de experiência humana. Para Freud, o fundador da psicanálise, a mente humana é composta por três instâncias: o id, o ego e o superego. O id é a parte mais primitiva e inconsciente da personalidade, que busca a satisfação imediata dos impulsos biológicos e psíquicos, seguindo o princípio do prazer. Em seguida, ego é a parte racional e consciente da personalidade, que busca o equilíbrio entre os desejos do id e as exigências da realidade externa, seguindo o princípio da realidade. Por sua vez, superego é a parte moral e crítica da personalidade, que representa os valores e normas sociais internalizados pelo indivíduo. A festividad...

O carnaval, a quarta-feira de cinzas e a dualidade humana.

  O carnaval, com suas explosões de cores, música e dança, se apresenta como um momento de efervescência cultural, onde a liberdade de expressão e o desejo de transgressão encontram seu palco. Mas tão significativo quanto a festa é o momento que a sucede: a Quarta-Feira de Cinzas, que marca o fim do carnaval e o início da Quaresma no calendário cristão, um período de quarenta dias de preparação para a Páscoa, caracterizado pela introspecção, penitência e jejum. Essa transição abrupta do profano ao sagrado reflete uma jornada psíquica profunda, que pode ser analisada sob a luz da teoria psicanalítica. A psicanálise, com sua exploração das profundezas insondáveis do inconsciente, oferece uma lente através da qual podemos compreender a dualidade entre o carnaval e a Quarta-Feira de Cinzas. Durante o carnaval, vivenciamos um período em que as restrições superegoicas são temporariamente suspensas, permitindo que os desejos reprimidos do id se manifestem livremente. Essa liberação do pri...