Pular para o conteúdo principal

As Mídias Sociais e a Sociedade do Cansaço: Desafios Psíquicos na Era Digital.

 


"Por falta de repouso nossa civilização caminha para a barbárie. Em nenhuma outra época os ativos, isto é, os inquietos, valeram tanto. Assim, pertence às correções necessárias a serem tomadas quanto ao caráter da humanidade fortalecer em grande medida o elemento contemplativo."
(Nietzsche, Humano, Demasiado Humano)

As mídias sociais são a pedra fundamental na nova conotação da interação humana e assumiram um papel importante em 2020 com o enfrentamento do novo coronavírus. Este ano será historicamente lembrado como aquele da pandemia do Covid-19, quando bilhões de pessoas em todo o mundo foram apresentadas a uma distopia de ameaça de um vírus mortal que remodelou o comportamento social da humanidade. Quarentena, distanciamento social, trabalho e estudos online, enxurrada de notícias e nervos "à flor da pele". Muito se aprendeu nesse período inédito, e grande parte dessa experiência foi virtual.

Antes, mesmo na internet, nossas trocas ocorriam em escala pessoal, como via e-mail, ou se você tem mais de trinta anos, talvez se lembre das salas de bate-papo. Hoje, porém, é uma única voz falando para milhões de seguidores — não mais amigos, mas "seguidores". Isso tem afetado nossas interações sociais na vida real e gerado diversos tipos de sofrimento psíquico. Uma pesquisa recente da American Psychiatric Association revelou que mais de um terço dos usuários adultos de mídias sociais nos Estados Unidos considera essa interação prejudicial à sua saúde psicológica. Apenas 5% sentem que o uso das redes é positivo e 45% encontram prós e contras. Dois terços dos participantes da pesquisa sentem que as mídias sociais contribuem para seu isolamento e solidão. Um número significativo de estudos relaciona o uso das redes à depressão, baixa autoestima e ansiedade social.

Segundo levantamento da We Are Social, de 2019, o brasileiro passa mais de 3 horas e meia por dia em redes sociais e possui, em média, 9 perfis diferentes — 130 milhões de brasileiros estão no Facebook e 69 milhões no Instagram. São mais de 75 mil horas por ano investidas na agonizante conversa consigo mesmo, diante do desejo de agradar o Outro, o que gera muitas angústias. Assim, surgem as perguntas: o que publicar? O que curtir? Como comentar? Qual será a opinião dos outros? O Brasil é o segundo país do mundo em presença nas redes sociais, e muitos dedicam mais tempo ao Facebook, Instagram e outras redes do que às relações interpessoais com família e amigos. O nível de dependência do smartphone tem crescido bastante, resultando em uma espécie de medo do desamparo, entre outras questões.

O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han enfatiza que, numa Sociedade do Cansaço, estamos sempre fadados a falhar. Se não falhar com o trabalho, falhamos com a família; se não com a família, com os amigos; se não com os amigos, com os projetos pessoais. O lamento do depressivo, "não posso mais...", só é possível numa sociedade que acredita que nada é impossível. "Não-mais-poder leva a uma autoacusação destrutiva e a uma autoagressão". Portanto, é importante encontrar um equilíbrio. As mídias sociais não precisam ser vilãs — a escolha é sua. Afinal, a conectividade também proporciona o melhor serviço ao permitir aproximar quem está longe. Preste atenção a si mesmo e saiba lidar com seus limites.

Daniel Lima
Psicanalista

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Psicanálise, uma possível cura pelas palavras

“A psicanálise? Uma das mais fascinantes modalidades do gênero policial, em que o detetive procura desvendar um crime que o próprio criminoso ignora.” (Mario Quintana) Recentemente, escrevi sobre “a psicanálise e o processo analítico em poucas palavras”, onde ressalto que a proposta da psicanálise é auxiliar o indivíduo a se entender, não no sentido de alcançar um conhecimento completo sobre si mesmo, mas sim, de discernir as motivações inconscientes por trás dos comportamentos, das fantasias que permeiam as relações, dos sintomas, do mal-estar, etc. Na psicanálise, o analista ajuda o indivíduo a escutar-se, mesmo quando este traz a sensação de estar perdido. Esse sentimento, na verdade, pode indicar uma fuga do próprio desejo, do próprio eu, e a psicanálise possibilita o reconcilio consigo mesmo. No entanto, neste texto, pretendo abordar brevemente o processo que chamamos de "cura pelas palavras". O conflito do recalque Freud, ao investigar os sintomas corporais através da l...

O carnaval como metáfora dos ciclos da experiência humana na psicanálise

O carnaval é uma festividade que marca o início e o término de um ciclo na cultura brasileira. Mas o que esse ciclo significa do ponto de vista psicanalítico? Este texto explora como a psicanálise, ao desbravar os profundos meandros da mente humana, fornece uma lente única para compreendermos a metáfora do início e término do carnaval como ciclos da experiência humana. Para Freud, o fundador da psicanálise, a mente humana é composta por três instâncias: o id, o ego e o superego. O id é a parte mais primitiva e inconsciente da personalidade, que busca a satisfação imediata dos impulsos biológicos e psíquicos, seguindo o princípio do prazer. O ego, por sua vez, é a parte racional e consciente da personalidade, que busca o equilíbrio entre os desejos do id e as exigências da realidade externa, seguindo o princípio da realidade. Finalmente, o superego é a parte moral e crítica da personalidade, que representa os valores e normas sociais internalizados pelo indivíduo. O carnaval pode ser vi...

Solidão

"A solidão é fera, a solidão devora. É amiga das horas, prima-irmã do tempo, E faz nossos relógios caminharem lentos, Causando um descompasso no meu coração." — Alceu Valença,  Solidão Em um mundo onde a comunicação se tornou tão acessível, paradoxalmente, o isolamento social parece cada vez mais presente. A tecnologia e a expansão dos meios de comunicação nos seduzem com a promessa de eliminar os limites entre o eu e o outro. Embora a internet nos mantenha constantemente conectados, oferece uma falsa segurança de que nunca estaremos sós, mas na verdade, muitas vezes nos liga ao vazio.  O Dicionário Larousse Cultural define a solidão como um estado de quem está só, com origens no latim  solitudo , significando isolamento e ausência de relações sociais. Filosoficamente, é um componente inexorável da existência humana. A psicóloga clínica Cristiana Pereira explica que, apesar de universal, a solidão é complexa e única para cada indivíduo, não tendo uma única causa comum. Po...