
"O bom da ciência é que ela não é crença; ela é, no momento, o que temos de melhor para concluir alguma coisa." (Leandro Karnal)
A prática da vacinação teve início no século XVIII, quando o médico inglês Edward Jenner desenvolveu a primeira vacina para prevenir a varíola, uma doença viral extremamente grave. A varíola foi a primeira doença infecciosa a ser erradicada por meio da vacinação.
Este ano vimos uma luz no fim do túnel, uma possível solução para o mal que aflige o mundo atualmente. Como está poética e musicalmente expresso em "A Cura" de Lulu Santos: "Existirá/ E toda raça então experimentará/ Para todo mal, a cura."
Após a aprovação pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) do uso emergencial das vacinas Coronavac e AstraZeneca, testemunhamos a primeira pessoa vacinada no Brasil, a enfermeira Mônica Calazans, de 54 anos, moradora de Itaquera e com perfil de alto risco para complicações da Covid-19. Aos poucos, outros brasileiros foram sendo vacinados. No entanto, em face de uma postura político-social negacionista amplamente difundida, muitos questionam a validade dos cientistas e de nossa agência reguladora.
Sobre isso, o psicanalista Christian Dunker, em entrevista à BBC Brasil, categoriza três perfis de comportamento diante da ameaça da pandemia: o tolo, o desesperado e o confuso. O tolo tende a negar a situação dramática como uma maneira de enfrentar o medo; o desesperado se angustia ainda mais com a situação; já o confuso oscila entre esses dois polos, sem saber como agir ou pensar. "Se você não está confuso nesse momento, procure um psicanalista porque você tem um problema, e ele não é o coronavírus," afirmou Dunker.
Um dos textos de Freud que tem sido amplamente estudado atualmente é "O Mal-Estar na Cultura". Nele, Freud introduz a ideia do desamparo, essencial ao desenvolvimento da psicanálise. O conceito sugere que o ser humano sofre de um desamparo constitutivo — somos inerentemente incompletos, sempre insatisfeitos com nossas vidas. Essa insatisfação pode enriquecer a vida à medida que buscamos algo para preencher esse vazio inatingível, ou tornar-se um tormento ao vivermos constantemente insatisfeitos.
O desamparo que nos constitui como seres humanos tem se intensificado no cenário atual do Brasil, onde se observa um grande aumento do desalento em boa parte da população. Tal situação é provocada, por um lado, pela pandemia, uma manifestação da natureza como um lugar de sofrimento humano, segundo Freud. Por outro lado, a resposta dos governantes — sobretudo na esfera federal, mas também nas esferas municipal e estadual — tem sido marcada pela negação do conhecimento científico.
Ao desconsiderar o conhecimento científico, que poderia servir como guia para proporcionar maior segurança em meio à crise, cria-se uma confusão entre as diferentes narrativas científicas, políticas e outras mais. Consequentemente, além do desamparo intrínseco a nossa condição, há um aumento significativo do desalento, com as pessoas incapazes de encontrar no governo o amparo necessário.
É importante recordar que a civilização se sustenta em renúncias e pactos. As concessões que fazemos ao longo de nossas vidas para viver em sociedade de maneira mais segura dialogam com a segurança que o Estado deve prover, principalmente aos mais necessitados. Concluo com as palavras de Dunker em sua coluna na UOL: "Vamos juntos rezar o credo da humildade: Butantan acima de todos, Fiocruz acima de tudo."
Daniel Lima
Psicanalista
Excelente reflexão. Neste momento onde vivemos esse trauma coletivo, precisamos de reflexões que validem o sofrimento, nos fortaleça e impulsione á ação. Parabéns.
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