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A era da hiperconexão: como a tecnologia afeta nossa mente?



A era da hiperconexão trouxe um novo cenário para a maneira como nos relacionamos com o mundo e com nós mesmos. Sob a luz da psicanálise contemporânea, percebe-se que a tecnologia exerce um papel duplo, atuando como um facilitador de conexões e, ao mesmo tempo, como um potencial gerador de alienações. O sujeito contemporâneo encontra-se cada vez mais solicitado a lidar com um excesso de estímulos e informações, o que pode impactar sua capacidade de mediar desejos e pulsões inconscientes. Para Freud, o aparelho psíquico opera pelo princípio do prazer e da realidade; neste contexto hiperconectado, a gratificação rápida oferecida por dispositivos tecnológicos desafia constantemente o equilíbrio necessário para a elaboração de frustrações e limites.

Além disso, o conceito de “inibição, sintoma e angústia” discutido por Freud ganha nova roupagem neste cenário. A interação constante por meio de plataformas digitais pode funcionar como uma espécie de defesa frente à angústia da solidão e do vazio, funcionando muitas vezes como uma tela literal e simbólica contra o real do sujeito. Para Lacan, a busca incessante por validação nas redes sociais reflete o desejo humano de reconhecimento no olhar do outro, mas também escancara a precariedade de um eu que, em muitos casos, é tomado pela angústia frente à não correspondência de seus ideais.

Dessa forma, a hiperconexão não afeta apenas nossa relação com outros sujeitos, mas também com nosso próprio inconsciente. O uso excessivo da tecnologia pode criar barreiras para o diálogo interno necessário à elaboração psíquica, promovendo um cenário de alienação em relação aos próprios desejos e conflitos. Cabe à psicanálise contemporânea explorar caminhos para ressignificar essa nova forma de ser e estar que a era digital nos impõe, promovendo o resgate de uma escuta mais profunda e reconexão com os aspectos fundamentais do sujeito.

Daniel Lima

Psicanalista 

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