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As depressões na atualidade e o processo psicanalítico

 


O Conceito de Vida Ideal e a Pressão Social


Atualmente, o padrão para uma vida ideal oscila consideravelmente, pois não basta apenas viver com equilíbrio e tranquilidade; é também necessária a conquista de sucesso financeiro ou profissional. As pessoas são frequentemente valorizadas por suas posses, refletindo a ideia popular de que "somos valorizados pelo que temos e não pelo que somos". Nessas circunstâncias, muitos acreditam que só serão felizes, valorizados e aceitos se estiverem de acordo com o modelo societal proposto. Ser feliz torna-se, assim, uma obrigação social.
Não Confundir Depressão com Tristeza
Essas pressões contribuem para o aumento de distúrbios psíquicos, como estresse e depressão. Historicamente, a depressão foi inicialmente discutida por filósofos como uma expressão de mau funcionamento orgânico (disfunção da bílis – amarela, preta, etc.), sinalizando um mal-estar da "alma". A palavra utilizada por eles, melancolia, tem origem no grego melano chole, que significa bílis negra. O termo depressão vem do latim depressare, do verbo deprimere – de = para baixo; premere = pressionar. Descrita pela primeira vez no início do século XX, a depressão ainda é frequentemente confundida com tristeza, um sentimento comum a todas as pessoas em algum momento da vida. A depressão, no entanto, é complexa e caracteriza-se por um conjunto de sintomas que afetam a capacidade de estudar, dormir, trabalhar, comer e divertir-se. Alguns sintomas significativos incluem humor deprimido e perda de interesse ou prazer.

Depressão Afeta 5% da População Mundial

Esses sintomas predominam durante a maior parte do dia, por pelo menos duas semanas. Em outras palavras, a depressão é uma tristeza duradoura e profunda, sem causa específica aparente. Felizmente, novas intervenções aumentam a chance de que uma pessoa encontre estratégias adequadas para seu caso. Conhecida como transtorno depressivo maior, a depressão afeta pessoas de todas as idades, por diversos motivos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou dados em 2012 informando que a depressão afeta aproximadamente 350 milhões de pessoas, cerca de 5% da população mundial. Estimava-se que, até 2020, a depressão se tornaria a principal causa de incapacidade no mundo, pois a pessoa deprimida deixa de produzir e tem sua vida pessoal gravemente prejudicada, isolando-se da vida sem estímulos e confinando-se em si mesma.

Caracterização Psicopatológica

Depressão, dor e angústia estão relacionadas à expressão afetiva da intensidade pulsional, não compondo uma caracterização psicopatológica específica. A depressão é um estado de vazio, de ausência, correspondente a um tempo parado que expõe o espaço de fundo em que ecoa o tempo da psique, definindo-se por uma posição econômica que diz respeito a uma organização narcísica do vazio, conforme determinado pela inalterabilidade tópica da psique (Berlinck & Fédida, 2000, p. 15). O tratamento da depressão frequentemente envolve psicoterapia, associada ao acompanhamento psiquiátrico, permitindo um reencontro do sujeito consigo mesmo. O indivíduo precisa reconectar-se com seus recursos psíquicos saudáveis, como a capacidade de observação, expressão de sentimentos, perseverança e habilidade de lidar com experiências de frustração ou fracasso. Somente através da análise de repetições sintomáticas pode o sujeito desenvolver formas mais saudáveis de agir e reagir.

Processo Psicanalítico

O processo psicanalítico busca levar o sujeito a analisar o emaranhado de fantasias e conflitos inconscientes que o impediram de manter contato com seus potenciais, colaborando para a reconstrução de uma autoimagem mais positiva. A escuta psicanalítica dos sintomas depressivos foca na problemática narcísica da constituição da subjetividade, variando em sua compreensão dentro da psicopatologia psicanalítica, mas nunca configurando uma estrutura específica, estando presente em diversas configurações estruturais. Assim, as depressões são mais um sintoma a ser interpretado no contexto geral da estrutura subjetiva de cada indivíduo do que propriamente um rótulo ou categoria psicopatológica. No campo psicanalítico existem diferenças na compreensão essencial dos estados depressivos e seu manejo clínico, contudo, há também certa convergência em sua dimensão fundamental, com implicações éticas significativas que ressaltam sua importância na contemporaneidade.

Daniel Lima
Psicanalista

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