
As alterações dos estados de humor foram identificadas desde a Antiguidade, aparecendo em diversos registros mitológicos de diferentes culturas, incluindo relatos bíblicos. Hipócrates (460-370 a.C.), utilizando o termo “melancolia”, foi o pioneiro ao distinguir a depressão, como doença, do misticismo religioso, onde a condição era vista como um destino traçado pelos deuses. Em 1905, Adolph Meyer sugeriu a eliminação do termo “melancolia”, propondo que se adotasse definitivamente o termo “depressão”.
Consolidação da Psiquiatria
A evolução do pensamento descritivo de Emil Kraepelin e a abordagem compreensiva de Sigmund Freud consolidaram a transição da psiquiatria do século XIX para a psiquiatria moderna do início do século XX. Dessas vertentes, e por caminhos separados, originou-se a divisão nas práticas psiquiátricas atuais: a psiquiatria dinâmica, alicerçada em fundamentos psicanalíticos e privilegiando as intervenções psicológicas, e a psiquiatria biológica, com base na neurobiologia, que entende e trata as doenças mentais principalmente por meio de medicamentos e outras intervenções biológicas.
Atualmente, vivemos em uma era que o filósofo e ensaísta sul-coreano Byung-Chul Han descreve como a “Sociedade do Cansaço”. Com o decorrer dos anos, cada época traz à tona suas enfermidades fundamentais. Segundo o filósofo, sob a perspectiva patológica, o início do século XXI não é definido como bacteriológico ou viral, mas sim como neuronal. Assim, doenças como a depressão, o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), o transtorno de personalidade limítrofe (TPL) e a síndrome de Burnout (SB) definem a paisagem patológica do século XXI, especialmente em tempos pandêmicos como os que estamos vivendo.
A Depressão Dominante nos Dias Atuais
A ascensão dos sofrimentos psíquicos tem sido alarmante. A depressão tornou-se um fenômeno significativo na configuração das psicopatologias contemporâneas, ganhando destaque não apenas no discurso especializado das ciências, mas também na linguagem do senso comum. Estar deprimido é praticamente uma condição do sujeito pós-moderno. A pandemia de COVID-19 e o aumento dos casos de óbitos, sem a possibilidade de velar os mortos, têm gerado uma espécie de democratização da tristeza em sua dimensão mais aguda, configurando um luto coletivo. Como afirmou Drauzio Varella em um artigo publicado na Folha de S. Paulo em 2020, “o impacto na saúde mental será a sequela mais devastadora da pandemia”. Com Freud, aprendemos que o trauma se instaura quando um acontecimento de certa magnitude surge de surpresa e nos pega despreparados, não sendo absurdo, assim, considerar essa pandemia como um trauma instaurado na vida individual e coletiva de todos nós. Vivemos um tempo em que a tristeza e o desencanto se expandem, tornando a depressão o mal do século, enquanto a psiquiatria moderna aborda essas condições como “alterações de humor”.
Hoje, enfrentamos dois grandes caminhos para tratar essa temática: a psicanálise, que explora o desamparo fundamental e a complexa relação com a perda, a falta, o vazio estrutural do ser humano; e a psiquiatria biológica, que oferece explicações baseadas em deficiências biológicas e neuro-hormonais, propondo tratamentos medicamentosos. A melancolia (depressão) é um desafio à fronteira entre o somático (corpo) e o psíquico (mente), o estrutural e o atual, a neurose e a psicose, confrontando nosso conhecimento e ignorância. Sabemos que há um mal profundo ligado a uma solidão existencial inerente ao ser humano.
Valorização do Indivíduo em Sua Singularidade
Ouvir expressões como “sou um incompetente, um lixo…” reflete o sentimento de ódio direcionado a si mesmo. Freud comentou que haveria uma perda de pudor para uma autocrítica tão cruel. O deprimido constantemente se sente culpado e imerso em remorso, vendo o passado como insuportável, o presente como torturador e o futuro como sem esperança. A análise freudiana introduz uma maneira de pensar o sofrimento psíquico, enfatizando o conflito entre as possibilidades afetivas de realização do indivíduo e os imperativos de um ideal exigente. Freud valoriza a singularidade do indivíduo e destaca a importância de seu discurso, sua palavra, para compreender o sofrimento. Ele descreveu o sofrimento de formas variadas, citando sintomas como apatia, inibição, pressão intracraniana, dispepsia e insônia, entre outros.
Entre as terapias de orientação analítica, há evidências de que formas anaclíticas (caracterizadas por sentimentos de solidão, desamparo e fragilidade) respondem bem a abordagens breves e de apoio, enquanto formas introjetivas (caracterizadas por autocrítica, sentimentos de desvalia e culpa) requerem abordagens de longa duração. Depressão (ou melhor, depressões) não pertencem a uma caracterização psicopatológica única. Embora a angústia tenha se tornado o afeto central na investigação psicanalítica, o afeto depressivo não obteve o mesmo destaque, sendo apenas com “Luto e Melancolia” que Freud abordou especificamente a depressão/melancolia.
O Papel Fundamental da Psicanálise
A psicanálise nos ensina o papel crucial da linguagem na constituição do sujeito e como uma interpretação bem feita pode gerar novos significados. O valor da linguagem na criação de significações não está nas certezas que oferece, mas no estranhamento que produz, abrindo possibilidades para o desejo. Nesse contexto, a psicanálise oferece um espaço para reconsiderar o conceito de depressão através da escuta psicanalítica dos sintomas depressivos, que está centrada na problemática narcísica e na constituição da subjetividade. A depressão é mais um sintoma a ser interpretado dentro do quadro geral da estrutura subjetiva do que um rótulo ou categoria psicopatológica fixa. Apesar das divergências na compreensão e abordagem dos estados depressivos, há uma convergência em seu entendimento fundamental, com importantes implicações éticas que destacam sua relevância no contexto atual.
Daniel Lima
Psicanalista
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