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Redes sociais: conectados com o mundo, desconectados de si.

         


É cada vez mais evidente o quanto o smartphone faz parte do nosso cotidiano. Embora usado de forma limitada para ligações telefônicas, ele é amplamente empregado para acessar redes sociais e aplicativos que facilitam nossas tarefas diárias. Durante a pandemia, a relação com o mundo virtual se intensificou, tornando-se um recurso híbrido para estudos e trabalho, e criando uma realidade mista. As pessoas estão cada vez mais conectadas e, consequentemente, mais ansiosas e depressivas. Um sintoma comum da depressão é a ausência de conexão com o mundo e com o outro, uma tendência que cresce à medida que nos desconectamos do mundo ao nosso redor, sem tempo para o ócio.


O que parecia ser liberdade está se transformando cada vez mais em prisão.


O conceito, descrito pelo filósofo Byung-Chul Han como "a sociedade do cansaço", se torna cada vez mais evidente, onde presenciamos pessoas esgotadas e deprimidas pelas exigências modernas. Estamos cercados pelas mais variadas formas de entretenimento e consumo. Entre crianças e pré-adolescentes, é comum ouvir o desejo de se tornar um "youtuber" famoso. Por outro lado, muitos querem fazer algo único e marcante, que os diferencie; contudo, sem perceber, estão constantemente se comparando com os outros, usando-os como referência para o que não desejam ser. Essa comparação constante nos torna uniformes.


Inserção no mundo digital


Gradualmente, perdemos tempo para as coisas simples ao modificarmos nossos rituais quotidianos com a inserção no mundo digital. Enquanto tomamos café, abrimos aplicativos, lemos e respondemos mensagens. De um aplicativo a outro, e quando percebemos, o café da manhã termina sem sequer notarmos seu sabor. Vivemos num ritmo acelerado, sem tempo para apreciar o nascer ou o pôr do sol. O hábito de parar para escutar um álbum musical foi substituído por ouvir enquanto respondemos e-mails ou compartilhamos músicas em redes sociais. Filmes e séries seguem a mesma tendência, assistidos entre a tela do smartphone e a televisão. É preciso resgatar o ócio e perceber o mundo à nossa volta, não através de uma fotografia para o Instagram, mas vivendo a vida com sabor de vida, desacelerando e nos conectando consigo mesmos.


Preste atenção a si mesmo e aprenda a lidar com seus limites sem chegar à exaustão.


Tenho ouvido, com crescente frequência, jovens interessados em obras como "1984" de George Orwell, "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley e "Ensaio sobre a Cegueira" de José Saramago. Em "1984", as pessoas são controladas pela ameaça de violência. Em "Admirável Mundo Novo", o controle se dá pela administração de prazer, com o Estado fornecendo uma droga chamada "soma" para induzir felicidade. Já em "Ensaio sobre a Cegueira", encontramos um cenário pandêmico onde uma cegueira branca, desconhecida, se espalha rapidamente. As pessoas precisam ficar em quarentena, o que leva a diversos sentimentos: lutas por comida, compaixão pelos doentes e vulneráveis. Neste último romance, permita-me uma interpretação pessoal do trecho: "Por que foi que cegamos, não sei, talvez um dia se conheça a razão. Queres que te diga o que penso? Digo, penso que não cegamos, penso que estamos cegos, cegos que veem, cegos que, vendo, não veem." Precisamos cuidar para que a dependência aprisionadora do smartphone não nos transforme em cegos que veem. Como já mencionei em outro texto, é crucial encontrar equilíbrio. As mídias sociais não precisam ser vilãs; no final, a escolha é sua. Afinal, a conectividade também oferece benefícios, como nos aproximar de quem está distante. Portanto, preste atenção a si mesmo e aprenda a lidar com seus limites antes de chegar à exaustão.


Daniel Lima

Psicanalista.

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