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Mostrando postagens de 2025

O encontro e o desencontro na era digital: considerações complementares sobre a “tinderização” das relações.

            Se o fenômeno da “tinderização”, como discutido anteriormente, revela faces de efemeridade, narcisismo e individualismo extremo, por outro lado, ele também abre espaço para novas configurações de afetos e para o surgimento de possibilidades que escapam às estruturas tradicionais das relações amorosas e sexuais. É necessário, portanto, ampliar o olhar para esse fenômeno, investindo em uma reflexão mais aberta sobre as ambiguidades e potências da experiência mediada digitalmente. Em tempos nos quais a fragmentação do cotidiano, a sobrecarga de informações e o “tempo rápido” das redes parecem impossibilitar o vínculo, o florescimento dos aplicativos pode ser entendido também como resposta à solidão urbana e à busca legítima por pertencimento. Aplicativos de encontros fornecem meios democratizados de acesso a novos círculos, propõem uma espécie de “vitrine” da diversidade humana e permitem que indivíduos com interesses ou orientações antes invisibi...

A “tinderização” das relações: o que os apps de encontro nos dizem sobre amar hoje.

    Você já parou para pensar no que o Tinder — e outros aplicativos de relacionamento — revelam sobre como nos relacionamos hoje? Muito além de uma ferramenta para marcar encontros, essas plataformas escancaram algo mais profundo: a forma como o amor, o desejo e os vínculos se transformaram na era da velocidade, da hiperconexão e do consumo afetivo. A gente vive o que o sociólogo Zygmunt Bauman chamou de modernidade líquida: tudo muda rápido, nada parece durar muito, e as relações humanas entram nessa mesma lógica. Os vínculos estão mais frágeis, menos comprometidos, mais “descartáveis”. E o Tinder é quase um símbolo disso. Deslizar para a direita ou para a esquerda se tornou uma metáfora do quanto passamos a escolher — e também a excluir — pessoas com um simples movimento de dedo, como quem escolhe uma roupa ou um filme na Netflix. Nesse contexto, como fica o amor? Como lidar com esse desejo de conexão em um ambiente em que tudo parece girar em torno da performance, da image...

Mais Que Palavras: como a escuta psicanalítica desvenda os segredos da sua mente?

  Você já sentiu que há algo em você que não consegue nomear? Uma angústia que não sabe de onde vem, um padrão que se repete em suas relações, ou até mesmo um sonho que te deixa intrigado? Na correria do dia a dia, raramente paramos para realmente escutar o que se passa em nosso universo interior. É exatamente aqui que a psicanálise entra em cena. Para ela, a palavra vai muito além de uma simples ferramenta de comunicação consciente. Ela é o próprio terreno fértil onde o seu inconsciente se expressa, se revela e, finalmente, se transforma. Vamos entender como? Na psicanálise, quando você fala – seja no divã ou na poltrona do analista – cada palavra é um ato psíquico . Elas não são apenas relatos de fatos ou opiniões; são como emissários carregados de história, de desejos inconscientes, de pulsões que você talvez nem saiba que tem, e até mesmo de defesas que seu ego criou para te proteger. Pense no sintoma , por exemplo. Aquela ansiedade inexplicável, uma dor crônica sem causa apar...

Além do brinquedo: o que os bebês reborn revelam sobre nossas necessidades emocionais.

         O impacto dos bebês reborn — bonecas confeccionadas com notável precisão estética, que imitam recém-nascidos com impressionante realismo — vai além do mero colecionismo ou do brincar simbólico. Esses objetos, dotados de detalhes que evocam não apenas a aparência, mas também a vulnerabilidade de um bebê real, tocam dimensões psíquicas profundas de seus cuidadores e admiradores, muito além do que sugere sua forma física. Sob o olhar da teoria do apego, proposta por John Bowlby, é possível compreender como a interação com essas bonecas mobiliza processos inconscientes ligados à criação, manutenção e, por vezes, à tentativa de reparação de vínculos afetivos.     Para Bowlby, os seres humanos carregam, desde o nascimento, uma predisposição biológica para buscar proximidade e proteção junto a figuras de apego. Essa necessidade, de origem evolutiva, é essencial à sobrevivência e não se esgota na infância — persiste e se transforma ao longo da vida, a...

Elaborar para existir: a saúde mental como processo psíquico vivo.

      A saúde mental, sob o prisma da psicanálise, vai muito além da simples ausência de transtornos. Trata-se, na verdade, de um processo psíquico vivo, denso e profundamente elaborado, que não encontra repouso na quietude, mas pulsa na capacidade de transformar o caos da experiência humana — aquilo que Bion chamou de “elementos beta”, sensações e afetos brutos, ainda sem forma — em algo pensável, em “elementos alfa”, dotados de sentido e capazes de se integrar ao tecido do inconsciente e da consciência.     Essa transformação exige a presença de uma função psíquica interna que funcione como continente, algo que se estrutura nas nossas primeiras trocas afetivas. A escuta, o acolhimento e a disponibilidade emocional dos cuidadores iniciais — sobretudo a função materna, simbolizada pela “mãe continente” — moldam o aparato psíquico que nos permitirá conter e processar angústias e frustrações. É a partir dessa base que o bebê — e depois o adulto — pode construir um...

Breadcrumbing e a repetição do afeto insuficiente: um olhar psicanalítico sobre a carência e o reconhecimento.

      O  breadcrumbing  pode ser compreendido como uma metáfora potente de dinâmicas inconscientes profundas, nas quais manifestações intermitentes de afeto operam como migalhas: pedaços afetivos que, mesmo quando colhidos, não bastam para preencher antigas lacunas psíquicas. Ao ser examinado sob a lente da psicanálise, revela-se como expressão de uma repetição patológica que remonta a vínculos primordiais marcados por ausência, instabilidade e desamparo emocional.     Na perspectiva de Winnicott, a experiência de ser verdadeiramente reconhecido — acolhido em sua inteireza, com falhas e potências — depende da presença de um ambiente suficientemente bom. Esse espaço relacional funciona como espelho, permitindo ao sujeito reconhecer e integrar suas partes fragmentadas, aceitando a imperfeição como parte constitutiva do ser. O  breadcrumbing , no entanto, representa o inverso: uma alternância constante entre presença e ausência, que frustra a constru...

Diferenciando psiquiatria, psicologia e psicanálise: compreensão e singularidade.

      A compreensão do sofrimento psíquico atravessa diferentes campos do saber, especialmente a  psiquiatria , a  psicologia  e a  psicanálise . Cada uma dessas áreas possui fundamentos teóricos, métodos e finalidades distintas, embora compartilhem o compromisso com o cuidado à saúde mental. Psiquiatria: A abordagem biomédica.     A  psiquiatria  é uma especialidade da medicina voltada para o diagnóstico, tratamento e prevenção dos transtornos mentais. Fundamenta-se em um modelo biomédico, que entende as patologias psíquicas como fenômenos neurobiológicos, frequentemente tratados por meio de psicofármacos, intervenções clínicas e, quando necessário, hospitalização. O psiquiatra, portanto, alia conhecimento médico à escuta clínica, considerando sintomas e sinais sob uma ótica predominantemente orgânica e objetiva. Psicologia: O estudo científico do comportamento.     Por sua vez, a  psicologia  é uma ciência dedi...

Trauma e transformação: a psicanálise de Klein e Bion na compreensão da violência sexual.

    A violência sexual é um evento traumático que pode causar profundas rupturas na estrutura psíquica do indivíduo, desencadeando uma série de reações internas complexas e muitas vezes debilitantes. Através das lentes da psicanálise de Melanie Klein e Wilfred Bion, podemos explorar as dinâmicas internas que surgem em resposta a tais traumas e o processo de recuperação que se segue, oferecendo uma visão mais profunda das forças psíquicas em jogo e das possibilidades de cura e transformação.     Segundo Melanie Klein, a posição  esquizoparanoide é uma fase do desenvolvimento infantil caracterizada pela divisão do objeto em 'bom' e 'mau'. Vítimas de violência sexual podem regredir a essa posição, onde o mundo é dividido entre segurança e perigo, refletindo a ansiedade e o medo experimentados. A violência sexual pode fazer com que a vítima sinta-se presa nessa posição, lutando para integrar a experiência traumática e mover-se para a posição depressiva, onde a ambiv...

A importância da conscientização sobre violência sexual.

           A conscientização sobre a violência sexual é um imperativo social e psicológico. Este texto explora como as teorias psicanalíticas de Michael Balint e Donald Winnicott podem ajudar a compreender as vítimas de violência sexual e a relevância da conscientização nesse contexto.        As vítimas de violência sexual enfrentam uma dor profunda e multifacetada. A agressão invade não apenas o corpo, mas também a psique, deixando cicatrizes emocionais duradouras. Michael Balint, em sua teoria da técnica, lembra-nos que cada paciente é único e que a quantidade de excitação emocional que podem tolerar varia. Para as vítimas de violência sexual, essa quantidade de excitação é frequentemente reduzida, tornando o processo analítico desafiador. A conscientização sobre essa realidade é crucial para adaptar a técnica psicoterapêutica e oferecer suporte adequado.        Balint introduziu o conceito de “falha básica”, uma no...

Maio Laranja: protegendo nossas crianças e adolescentes.

       O Maio Laranja, dedicado à conscientização e combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, surge como um mês de reflexão e ação. A cor laranja, símbolo dessa campanha, ilumina uma realidade sombria e muitas vezes silenciada, trazendo consigo a esperança e a proteção necessárias para as vítimas de violência sexual. Nesse contexto, a psicanálise, tanto na vertente ferencziana quanto na winnicottiana, oferece um referencial teórico valioso para entender e abordar as complexas questões relacionadas ao abuso sexual na infância e adolescência. Sandor Ferenczi, figura pioneira da psicanálise, enfatizava a importância de uma abordagem empática e sensível às experiências traumáticas dos pacientes. O trauma sexual na infância pode resultar na fragmentação do self, levando a manifestações psicopatológicas ao longo da vida adulta. A escuta cuidadosa e a compreensão profunda são fundamentais para auxiliar as vítimas a processar suas vivências e reconstru...

Saúde mental e psicanálise: um olhar sobre o sofrimento psíquico no trabalho

  A crise de saúde mental no Brasil atingiu um nível alarmante, refletindo-se no aumento significativo de afastamentos por ansiedade e depressão nos últimos dez anos. O ambiente de trabalho tem sido um dos principais gatilhos para esses transtornos, seja pela sobrecarga de tarefas, seja por relações interpessoais tóxicas ou pela insegurança profissional. Os dados recentes apontam para a necessidade urgente de políticas eficazes que garantam não apenas suporte médico e psicológico, mas também mudanças estruturais nas condições laborais. O trabalho ocupa um papel central na vida das pessoas, influenciando sua autoestima, identidade e estabilidade financeira. No entanto, quando as condições de trabalho se tornam insustentáveis, os efeitos na saúde mental podem ser devastadores. A pressão por metas excessivas, a competitividade exacerbada e a falta de reconhecimento são fatores que contribuem para o adoecimento psíquico. Sem espaços para escuta e acolhimento, muitos trabalhadores acaba...

A pressão do whatsApp no trabalho e seus impactos na saúde mental.

A  hiperconexão  do mundo moderno transformou nossa forma de trabalhar, de nos comunicar e até de viver. Ferramentas como o WhatsApp, inicialmente criadas para aproximar pessoas, se tornaram indispensáveis em diversas atividades profissionais. No entanto, esse uso constante tem gerado um problema significativo: a pressão por respostas imediatas, que afeta diretamente a saúde mental de quem está do outro lado da tela.   Com o avanço tecnológico, o acesso à informação tornou-se instantâneo. Se antes consultávamos enciclopédias como a  Barsa  para realizar pesquisas, hoje obtemos dados em segundos por meio de sites, e-books e inteligência artificial. Essa agilidade, embora vantajosa, trouxe um efeito colateral preocupante: nos tornamos cada vez mais impacientes. Queremos tudo para ontem — áudios acelerados, textos resumidos e, é claro, respostas rápidas, independentemente do horário ou contexto.   Essa cultura da urgência invadiu o ambiente de trabalho. Por me...

O estranho familiar: bebês reborn e psicodinâmicas do inconsciente.

  A popularização dos bebês reborn — bonecas hiper-realistas que imitam recém-nascidos com detalhes minuciosos — provoca curiosidade, admiração e inquietação. Mais do que simples objetos de coleção ou brinquedos, esses artefatos têm ganhado um status simbólico que atravessa o lúdico e se aproxima do terapêutico. A partir de uma perspectiva psicanalítica, podemos interpretar esse fenômeno como expressão de fantasias inconscientes ligadas ao desejo, à perda, à reparação e à constituição do eu. Sigmund Freud oferece uma chave interessante ao abordar o conceito de “Unheimlich”, traduzido como “o estranho familiar” ou “o inquietante”. Os bebês reborn ocupam exatamente essa zona ambígua: enquanto reproduzem a forma de um bebê real, não são bebês; são bonecas, mas não se deixam reduzir à condição de brinquedo. Há algo de perturbador nesse limiar entre o animado e o inanimado, entre o vivente e a pura representação. É como se tocassem silenciosamente em um retorno do recalcado: o desejo de...

O humor na psicanálise: entre a criação e a rebelião

Na psicanálise freudiana, o humor é considerado uma forma sofisticada de defesa psíquica. Em seu texto “O humor” (1927), Freud observa que ele permite ao sujeito enfrentar o sofrimento psíquico de modo criativo, preservando o prazer mesmo diante de situações dolorosas. Diferentemente do chiste ou do riso superficial, o humor expressa uma atitude do eu que se recusa a ser esmagado pela realidade, mantendo certa superioridade frente ao sofrimento. É como se o superego dissesse ao ego: “veja como o mundo pode ser ridículo, não vale a pena sofrer tanto por ele”. Essa concepção freudiana revela que o humor não é uma forma de negação, mas uma rebelião do prazer diante da dor. Freud exemplifica com o caso do condenado que, a caminho da forca, ironiza: “A semana começa bem”. Nesse gesto, não há desespero, mas um deslocamento lúdico que transforma o trágico em cômico. O humor, aqui, surge como um gesto de liberdade subjetiva, onde até o superego, geralmente punitivo, mostra-se surpreendentement...
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