
O que significa ter qualidade de vida? Essa pergunta revela-se importante e vem gerando um crescente número de pesquisas nas ferramentas de busca. Diversas orientações, dicas e até receitas prontas em cinco passos são sugeridas. Lembro-me de uma aula ministrada pelo psicanalista Jorge Forbes no IPLA (Instituto de Psicanálise Lacaniana), em que ele discutia a ideia de "Terra Dois", enfatizando a diferença entre "qualidade de vida" e "vida qualificada". Segundo ele, a noção de qualidade de vida geralmente implica seguir um padrão imposto pela sociedade, como acordar às 5 da manhã, meditar, correr 10 km ou ter uma casa na praia. Já uma vida qualificada seria pautada pelo reconhecimento do que realmente importa para cada indivíduo e por que isso lhe faz bem, como beber um vinho à noite, rezar, ler um livro, ou seja, resulta do autoconhecimento. Em essência, o que verdadeiramente importa é ter uma vida integrada e que faça sentido, equilibrando atividades entre criação, rotina, exercício físico, interações familiares e o trabalho, de forma que estejam alinhadas às necessidades, aos princípios e aos valores pessoais.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), qualidade de vida é "a percepção do indivíduo de sua inserção na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações". Essa definição engloba o bem-estar biopsicossocial, ou seja, o bem-estar espiritual, físico, mental, psicológico e emocional, contemplando também os relacionamentos sociais, como família e amigos, além de saúde, educação, habitação, saneamento básico e outras condições de vida. No entanto, do ponto de vista psicanalítico, a qualidade de vida é algo subjetivo e singular, de modo que o que constitui qualidade de vida para uma pessoa pode não o ser para outra, mesmo dentro da mesma família. Por essa razão, fornecer cinco passos ou mais sobre como alcançar qualidade de vida nem sempre é eficaz; pelo contrário, pode até causar adoecimento ao levar à interrogação: "Por que funcionou para essa pessoa e não para mim, se estou fazendo o mesmo?". Cada indivíduo precisa refletir sobre seus desejos e as ações que podem estar reduzindo ou minando sua qualidade de vida.
Descobrir o que é qualidade de vida para si mesmo é um processo que requer tempo. O caminho trilhado por Freud na concepção dos conceitos de saúde e doença difere do enfoque da saúde mental contemporânea. Muitos buscam a esperada qualidade de vida por meio de medicamentos, o que tem levado ao crescimento no uso de psicofármacos, frequentemente sem orientação médica. Outros associam qualidade de vida a conquistas materiais, o que nem sempre reflete a realidade, pois a qualidade está mais relacionada ao “ser” do que ao “ter”.
Em 1987, o psicólogo Edward Tory Higgins desenvolveu a teoria da autodescrita, afirmando que os indivíduos comparam seu "eu real" aos padrões internalizados ou ao "eu ideal / deveria". A autodescrita refere-se à discrepância entre essas autorrepresentações, levando a emoções negativas. Ele descreveu três tipos de "si mesmo": o eu real (quem a pessoa é), o eu ideal (quem a pessoa gostaria de ser) e o eu como deveria ser (que representa as obrigações e tarefas impostas pelo ambiente social). Assim, o ambiente social molda uma imagem de quem o indivíduo é e de quem deveria ser, o que pode afetar negativamente sua qualidade de vida ao querer sempre atender às expectativas do outro, levando a um distanciamento de si mesmo e comprometendo o bem-estar. Como diz Pitty em sua música “Máscara”: “O importante é ser você, mesmo que seja estranho, seja você”.
Portanto, para genuinamente alcançar qualidade de vida, é essencial olhar para dentro de nós mesmos, reconhecer nossos desejos e assumir a responsabilidade por eles. Contudo, é preciso cuidado para não cair na armadilha de buscar tão intensamente essa qualidade de vida que acabamos nos afastando dela. O autoconhecimento pode ser o início dessa jornada, não o fim, mas, pelo menos, auxilia a esclarecer o que se quer e por que se quer. Em vez de ser dirigido por vozes externas, escute sua própria voz e, se realmente desejar, siga, ou não, mas que seja fruto de uma decisão que promova o bem-estar que almeja.
Daniel Lima
Psicanalista.
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