Vivemos em uma era marcada pela ansiedade do saber instantâneo, em que a psicanálise foi capturada pelo ritmo frenético dos mercados digitais. Tornou-se mercadoria: ofertada em cursos relâmpago e banners publicitários que prometem desvendar, em poucas horas, os mistérios de Freud ou a arte da escuta — como se fossem receitas prontas e universais. Não é o digital em si que adoece, mas a lógica da superficialidade, da voracidade e do consumo rápido aplicada ao que deveria ser, por excelência, experiência e encontro.
Na contramão da tradição psicanalítica — que não se faz sem tempo, silêncio e transmissão ética — assistimos a um movimento de colonização do desejo de saber. Os mais velhos, muitas vezes, ao invés de abrigarem e sustentarem o percurso formativo dos mais novos, impõem padrões, excessos e disputas conceituais. Confinam a transmissão da psicanálise à reprodução de fórmulas, sufocando aquilo que lhe é mais vital: a singularidade do sujeito e o risco criativo do pensar.
Nesse cenário, proliferam sintomas. Surge uma nova geração de analistas às voltas com o cansaço, a insegurança e a sensação de não pertencerem a lugar algum. O desejo, que deveria ser a força motriz do trabalho clínico, recua diante do peso da obrigação de “saber”, do espetáculo dos discursos e da necessidade de legitimação constante. O silêncio — espaço onde o inconsciente se faz ouvir — é banido em favor da fala exibicionista e do jargão sofisticado. Resta pouca margem para o não-saber, que é, paradoxalmente, a abertura fundamental da escuta analítica.
É urgente resgatar uma pergunta inaugural: o que transmitimos, de fato, quando formamos para a psicanálise? A transmissão não se reduz à didática, pois implica presença, tempo, ética e um laço que, para existir, exige afeto e desejo. Formar não é adestrar nem impor; é sustentar a travessia de um outro, em sua singularidade, diante do enigma de si mesmo. Quando adoecemos aqueles que chegam, quando a formação se torna mera colecionadora de certificados, deixamos de operar uma transformação subjetiva — e corremos o risco de esvaziar a própria psicanálise de seu sentido mais fundamental.
Ser psicanalista é sustentar o não-saber, é abrir-se ao espanto, ao imprevisto, ao desejo que se anuncia no entre. Talvez seja preciso, diante do cansaço, fazer silêncio e voltar ao início: à ética do encontro, ao cuidado com a palavra, ao ouvir que transforma — para que a psicanálise continue viva, não como produto, mas como experiência única e sempre inacabada do humano.
Daniel Lima
Psicanalista
@daniellima.pe
Muito bom
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