"Na psicanálise você para de culpar o vento pelo caos e aprende como e quando fechar a janela."
(Daniel Lima)
Em minha escuta atenta, observo que muitas vezes nos comportamos como barcos à deriva em um mar agitado. Culpamos as correntes, as ondas e, como disse na frase acima, o "vento" pelo caos que se instala em nossa embarcação. Para mim, esse "vento" representa tudo aquilo que nos parece externo e incontrolável: as vicissitudes da vida, as atitudes alheias, as pressões sociais que nos sufocam, as notícias que nos avassalam, e até mesmo as injustiças do mundo que nos revoltam. Quando o caos se instala em nosso íntimo – sob a forma de angústia paralisante, ansiedade constante, uma tristeza profunda que não cede ou uma irritação que parece sem fim – percebo que nossa primeira inclinação é, invariavelmente, apontar o dedo para fora, para as circunstâncias, para o "vento" que, em nossa percepção, desarruma tudo.
Reconheço que este é um mecanismo humano profundamente compreensível. É, sem dúvida, mais fácil e significativamente menos doloroso assumir a posição de vítima das forças do destino do que confrontar a própria participação, muitas vezes inconsciente, na dinâmica do sofrimento. Esse "culpar o vento", eu diria, é uma estratégia psíquica para nos eximir de uma responsabilidade que parece pesada demais, mantendo a ilusão de que se o mundo exterior fosse diferente, ou se os outros agissem de um modo mais conveniente, nossa paz estaria assegurada. Contudo, é precisamente nesse ponto que a psicanálise, em minha experiência, se apresenta como um convite irrecusável a uma virada de chave, a um mergulho corajoso para o nosso mundo interior.
E é precisamente aqui, que minha frase citada logo no início deste texto, revela sua potência mais profunda: "aprende como e quando fechar a janela". Como psicanalista, sei que nosso trabalho não é, e jamais será, parar o vento. Não possuímos esse poder. As tempestades da vida – os lutos que nos abalam, as perdas que deixam marcas, as decepções que nos frustram, os desafios que parecem intransponíveis – todas elas continuarão a nos visitar. O mundo, em sua complexidade e imperfeições inerentes, jamais se moldará aos nossos anseios para nos garantir uma paz absoluta. A proposta da psicanálise, em contrapartida, é um profundo e íntimo processo de aprendizado sobre nós mesmos e sobre a nossa relação singular com esse vento inelutável.
"Como" fechar a janela, então? Para mim, isso implica um mergulho corajoso e incessante no nosso mundo interno. Não se trata, de forma alguma, de um ato de fuga da realidade, mas sim de um exercício de discernimento apurado. É um processo de elaboração onde aprendemos a diferenciar: nem todo vento precisa nos arrastar, nem toda ventania tem o poder de entrar e desorganizar o que é intrinsecamente nosso. Na clínica, ajudo cada analisante a pensar e a identificar as frestas em sua alma, as "corchas" inconscientes, aqueles pontos vulneráveis que, por vezes, permitem que o "caos" externo encontre um eco desproporcional e uma reverberação avassaladora em seu interior. Isso, muitas vezes, significa compreender velhas feridas que ainda sangram, padrões de comportamento repetitivos que se perpetuam, medos inconscientes que nos paralisam, ou a forma como a nossa própria história e as experiências iniciais nos deixaram mais ou menos expostos a certos tipos de perturbação. É, em essência, uma construção gradual de resiliência psíquica, um fortalecimento das nossas "paredes" internas, não com o objetivo de nos isolar do mundo, mas sim de nos proteger de sua voracidade desmedida.
E "quando" fechar a janela? Ah, aqui, eu diria, reside a mais fina sabedoria do tempo e do limite. A experiência analítica proporciona ajuda para o indivíduo sintonizar-se com seus próprios sinais internos, a reconhecer o ponto exato em que a exposição prolongada ou intensa a esse "vento" externo se torna genuinamente destrutiva para sua saúde mental. É um aprendizado vital sobre a arte de dizer "não" – não apenas aos outros e às suas expectativas, mas, sobretudo, a certas demandas internas de onipotência ou de uma perfeição inatingível que nos exaurem. É compreender que há um momento certo para se recolher, para reorganizar as ideias e os sentimentos, para processar a experiência vivida em vez de ser impiedosamente arrastado por ela. Minha prática visa desenvolver essa capacidade crucial de autorregulação emocional, de se dar a permissão genuína para sentir plenamente, para elaborar as complexidades da vida e, somente então, com uma clareza maior, decidir qual será o próximo passo.
Aqui no sertão, onde o sol castiga e a chuva surpreende, bem sabemos o valor de uma casa bem construída, de um abrigo seguro. E é justamente para essa construção que a psicanálise, nos convida: a edificar essa "casa" interna, a fortalecer suas estruturas invisíveis, a cuidar de suas "janelas" psíquicas. Não com a ilusão de que o vento cessará de soprar, mas sim para que, diante dele, não nos sintamos mais meramente à mercê das forças da natureza ou do mundo externo. É uma transição que observo em muitos casos que acompanho e já acompanhei: deixamos de ser vítimas passivas da intempérie emocional para nos tornarmos navegadores mais hábeis da nossa própria existência, capazes de ajustar as velas da nossa vida, de ancorar com segurança quando necessário e, sim, de fechar as janelas da alma quando a tempestade ameaça levar o que há de mais precioso em nós – nossa paz, nossa sanidade, nossa essência.
Portanto, para mim, o que disse não é apenas um belo adágio; ela se revela um verdadeiro mapa. Ela aponta, inequivocamente, para uma jornada de profundo empoderamento, onde o caos deixa de ser percebido como uma fatalidade imposta e se transforma num potente convite à autoconsciência e à redescoberta da liberdade de escolha. É, em suma, um convite a sermos, não mais arrastados pelo vento das circunstâncias, mas sim, finalmente, os legítimos timoneiros da nossa própria alma.
Daniel Lima | Psicanalista | @daniellima.pe
Comentários
Postar um comentário