Dias atrás, uma analisante caiu na gargalhada quando falei que coloquei o Groot no divã para que, a partir da análise, ele pudesse vir a ser ele mesmo, sem entrar em crise por não se parecer nem com as árvores da Terra, nem com os seres humanos.
A figura de Groot, o Flora Colossus que só fala “Eu sou Groot”, transcende o universo Marvel para se tornar uma metáfora visceral do inconsciente, não como um depósito de conteúdos reprimidos, mas como um processo gerador de mundos. Através das lentes dos psicanalistas contemporâneos Christopher Bollas, Thomas Ogden e Antonino Ferro, podemos escutar na jornada de Groot um eco profundo do trabalho de transformação psíquica que ocorre na análise.
Christopher Bollas e o "self idiomático" de Groot: a essência que insiste em brotar
Para Christopher Bollas, cada sujeito possui um “self idiomático” – uma assinatura psíquica única e inefável, uma espécie de destino estético que busca se expressar no mundo. O sintoma, nessa perspectiva, é muitas vezes uma distorção ou um aprisionamento dessa essência singular.
Groot é a encarnação perfeita desse self idiomático. Sua natureza vegetal, sua capacidade de regeneração a partir de um pequeno broto, falam de uma força transformacional inerente à sua própria constituição. Sua frase repetitiva, “Eu sou Groot”, não é uma limitação vazia, mas um idioma próprio, a manifestação sonora de seu ser mais essencial. O trabalho de Rocket, como analista, não é “curar” Groot de sua linguagem limitada, mas reconhecer e facilitar a expressão desse idiom. Rocket traduz Groot para o mundo, mas, mais importante, traduz o mundo para Groot, criando um ambiente suficientemente bom onde seu self idiomático pode florescer em toda sua potência, seja como guerreiro, protetor ou amigo.
Thomas Ogden e a "terceira analítica" na relação Rocket & Groot
Thomas Ogden revolucionou a psicanálise ao descrever o “terceiro analítico”, um espaço psíquico único e subjetivo que é cocriado na relação entre analista e analisando. Esse não é o espaço de um nem de outro, mas um novo campo de experiência onde pensamentos e sentimentos novos podem surgir pela primeira vez.
A dupla Rocket e Groot opera precisamente nesse registro. Rocket, o sujeito cínico e fragmentado, e Groot, o ser monolítico e enigmático, criam juntos um “terceiro” que é a própria amizade e parceria dos Guardiões da Galáxia. Nesse espaço intersubjetivo, Rocket aprende a confiar e a amar, enquanto Groot encontra um canal para sua força e nobreza. Eles se tornam, juntos, algo maior que a soma de suas partes. Ogden nos diria que a análise não é sobre dois sujeitos isolados, mas sobre o que nasce entre eles. O setting analítico é o vaso onde esse “terceiro” – um novo significado, um novo modo de ser – pode brotar, assim como o broto de Groot que renasce dançando no vaso ao final do primeiro filme.
Antonino Ferro e a "narrativa transformacional" do Broto
Antonino Ferro, herdeiro da escola italiana de Psicanálise, vê a sessão analítica como um campo onírico compartilhado. Os personagens, sonhos e associções do paciente não são vistos como representações de um passado real, mas como personagens do drama emocional presente que precisam ser sonhados e transformados em narrativa junto com o analista.
O broto de Groot que renasce é a metáfora definitiva para a técnica de Ferro. O paciente chega à análise com seus “fatos” traumáticos, suas histórias congeladas (o Groot adulto que se sacrificou). O analista não investiga arqueologicamente esses “fatos”. Em vez disso, ele pega o broto da experiência emocional atual – a raiva, o tédio, o afeto que surge na sala – e o “replanta” no campo fértil da relação analítica. Juntos, analista e analisando começam a “sonhar” esse broto, dando-lhe novas formas narrativas, novos finais possíveis. O Groot adolescente de Vingadores: Guerra Infinita não é uma réplica exata do Groot original; é uma nova versão, cocriada no campo relacional com os outros Guardiões. Da mesma forma, na análise, o self não é desenterrado; é re-dreamt (ressonhado), regenerado em uma história nova e mais viável.
Conclusão: a regeneração do self no campo do encontro
Através dessas três lentes, a metáfora de Groot nos revela uma psicanálise viva e esperançosa. Bollas nos fala da essência singular que clama para se expressar. Ogden nos mostra o espaço relacional onde essa expressão se torna possível. E Ferro nos oferece a técnica de transformação narrativa contínua, o replantar constante dos brotos da experiência emocional.
Groot não é curado de sua linguagem. Ele encontra, em Rocket, aquele que pode sonhar e traduzir seu idioma único, permitindo que ele se regenere continuamente. Essa é a promessa da psicanálise contemporânea: não a de um self final e adaptado, mas a de um self em contínuo devir, sempre capaz de brotar de novo, desde que plantado no campo fértil de uma escuta verdadeiramente transformadora. O inconsciente, como Groot, não é um arquivo morto; é um broto eterno, ansioso para dançar.
Daniel Lima | Psicanalista | @daniellima.pe
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