Se Freud escreveu sobre o mal-estar na civilização diante do custo pulsional imposto pela cultura do século XX, os psicanalistas contemporâneos se debruçam sobre um novo paradoxo: o sujeito do século XXI é simultaneamente hiperconectado e profundamente solitário, inundado de signos de gozo e, no entanto, esvaziado de desejo. Como a clínica psicanalítica, herdeira de Freud e Lacan, responde a esse novo cenário?
A tirania do ideal e a fragmentação do sujeito
Vivemos sob a égide do que o psicanalista Christian Dunker denominou como "o ideal de performatividade". Este imperativo social exige que sejamos sempre otimizados, felizes, produtivos e belos. Nas redes sociais, somos curadores de uma self mitológica, um eu ideal esculpido para likes. Dunker alerta que essa performance constante gera uma angústia silenciosa, pois o sujeito fica esfacelado entre quem ele é e quem ele deve aparentar ser. O resultado não é a repressão clássica, mas uma exaustão subjetiva e uma dificuldade radical de acesso à própria intimidade.
Neste contexto, o sofrimento já não chega ao analista apenas na forma de sintomas clássicos (histeria, neurose obsessiva), mas como vazios existenciais, pânico, depressão e uma difusa sensação de insignificância. O sujeito, explica Dunker, sofre de uma "culpa sem falta", uma sensação de nunca estar à altura, de não estar aproveitando a vida o suficiente, num mandamento de gozo que é, em si, paradoxal e impossível.
O Outro que não existe: a solidão na multidão digital
A tese lacaniana de que "o Grande Outro não existe" – ou seja, de que não há uma instância última de garantia e sentido – nunca foi tão visceralmente experimentada. As redes sociais funcionam como um falso Outro: elas oferecem a ilusão de reconhecimento imediato (curtidas, compartilhamentos), mas este reconhecimento é vazio, algorítmico e não sustentado por um laço de alteridade verdadeira.
A psicanalista Maria Homem, em sua reflexão sobre a contemporaneidade, aponta para a liquefação dos laços. As conexões são numerosas, mas frequentemente descartáveis. O contato é constante, mas a profundidade é rara. Isso gera uma solidão específica: a de estar sempre acompanhado por um ruído de fundo, mas nunca verdadeiramente visto ou escutado em sua singularidade. A clínica, então, torna-se um dos últimos espaços de suspensão dessa performatidade. É no setting analítico que o sujeito pode, finalmente, desligar o "modo performance" e se confrontar com sua própria falta, sua incompletude constitutiva, não como um fracasso, mas como a condição mesma para a emergência de um desejo autêntico.
Por uma clínica do real: escutar o singular no ruído do mundo
Diante desse cenário, a psicanálise não oferece manuais de felicidade ou adaptação. Sua aposta, como defende o francês Éric Laurent, é numa clínica do real. Isto é, uma clínica que não busca preencher o vazio com significações prontas, mas que ajuda o sujeito a inventar uma nova relação com seu sofrimento e seu gozo.
Não se trata de devolver o sujeito ao "funcionamento normal" da sociedade, pois é exatamente esse "normal" que o adoece. Trata-se, como propõe Vladimir Safatle, de usar a experiência analítica como um dispositivo de estranhamento que permite ao sujeito questionar as evidências que o aprisionam. A análise torna-se um espaço para se construir um sintoma singular, uma maneira própria de viver que não seja simplesmente a obediência a um ideal social esmagador.
O convite da psicanálise contemporânea é, portanto, radicalmente ético: é o convite à desaceleração, à escuta do inconsciente que insiste por trás do ruído do mundo, e à corajosa tarefa de aceitar que a vida que vale a pena ser vivida não é a vida "perfeita" do feed Instagram, mas a vida verdadeira, com seus cortes, suas dores, suas paixões e sua beleza áspera e singular. É no reconhecimento de que não há um Outro que garanta nosso lugar no mundo que nos tornamos, finalmente, responsáveis por inventar um.
Daniel Lima | Psicanalista | @daniellima.pe
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