Pular para o conteúdo principal

Esperança e Felicidade

 


[...] quantas das dificuldades dos pacientes decorrem simplesmente do fato de que ninguém jamais os escutou de maneira inteligente”.

(Winnicott, “Variedades de psicoterapia”, 1961, pág. 263)

Responda com sinceridade: o que você quer para sua vida e, mais precisamente, para o próximo ano? Talvez coisas associadas a saúde ou relacionamentos, dinheiro, realização profissional, possibilidade de viagem ou mesmo a resolução de um impasse em qualquer esfera da vida seja para si mesmo ou para outras pessoas. Qualquer que tenha sido a resposta, certamente o que está por trás dela é a crença de que aquilo que desejamos nos trará satisfação, porém sentir-se bem é uma construção e a felicidade, uma escolha. É o self (Eu) e a vida do self que dão sentido à ação ou ao viver do indivíduo que pode chegar a um desenvolvimento satisfatório.

É curioso quando estamos realmente entregues à sensação de bem-estar, sem a ânsia incômoda de reter essa sensação, mas apenas nos permitindo ficar bem, é como se estivéssemos livres de qualquer vulnerabilidade – integrados, centrados e inteiros. Um fato importante a ser considerado do ponto de vista da neurociência é que a felicidade não é uma coisa que cai do céu ou fruto do acaso. Trata-se de uma construção subjetiva, de modo que o bem-estar não reside naquilo a que temos acesso ou naquilo que vivenciamos, mas sim em como fazemos isso. Sendo assim, é possível aumentar o nosso nível de prazer com a vida.

No entanto, antes de pensar no prazer parece ser importante levarmos em conta a questão do desprazer. Então, vem a pergunta que não quer calar: por que sofremos? Uma pergunta que gera muitas respostas envolvendo diversos saberes, mas em linhas gerais, é possível considerar um olhar neurocientífico que o sofrimento nasce de um movimento mental duplo: o apego (que é aquilo que consideramos ser a causa de nossa felicidade) e a aversão (o que vemos como razão do sofrimento). Nos dois caos existe distorção da percepção em relação ao que nos faz bem. Por esta razão é muito comum imaginar que se fôssemos mais ricos, fôssemos mais jovens ou mais bonitos, seríamos mais felizes. O que a ciência nos mostra é que não é bem assim que funciona, porque quanto mais uma experiência prazerosa por repetida, menos satisfação trará ao longo do tempo, pois a fascinação se dissipa com a repetição. Um exemplo disso é a experiência prazerosa da primeira mordida em um chocolate para quem gosta deste alimento e qual a sensação traz comer a quinta barra do mesmo doce – certamente a satisfação se dissipa.

Este ano fomos pegos de surpresa com a pandemia do coronavírus SARS-CoV-2. Notícias dolorosas, tristes e muita instabilidade. Medo, ansiedade e pânico, além de um luto coletivo. Um ano de muitas adaptações e cansaço, de tal maneira que levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a dizer: “Podemos estar cansados da Covid-19, mas ela não se cansou de nós”. Todavia, encerramos o ano com notícias animadoras de pessoas sendo vacinadas ao redor do mundo. Então, não percamos a esperança! Como diria o pediatra e psicanalista inglês Winnicott: “[...] A vida vale a pena ser vivida”. Já está sendo muito falada a questão da saúde mental. Portanto, sugiro colocar como meta para o próximo ano cuidar de sua saúde mental. Afinal, é preciso comprometer-se com o projeto de ser uma pessoa mais feliz consigo mesmo entendendo seus desejos e se responsabilizando por eles e sabendo o que satisfaz, o que traz prazer a fim de ir com moderação.

Daniel Lima Gonçalves - Psicanalista, Filósofo e Teólogo.

daniellimagoncalves.pe@gmail.com

Membro do Grupo Brasileiro de Pesquisas Sándor Ferenczi – GBPSF; Membro da International Sándor Ferenczi Network – ISFN; Estudo Permanente em Psicanálise no Instituto Nebulosa Marginal - INM; Especialista em Psicanálise e Teoria Analítica – FATIN; Especialista em Filosofia e Autoconhecimento – PUCRS; Extensão em Certificação Profissional em Neurociências – PUCRS; Pós-graduando em Ciências Humanas – PUCRS; Cursando Formação na clínica psicanalítica com adultos – CPPLRecife.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Psicanálise, uma possível cura pelas palavras

  “A psicanálise? Uma das mais fascinantes modalidades do gênero policial, em que o detetive procura desvendar um crime que o próprio criminoso ignora.” (Mario Quintana)   Recentemente escrevi sobre “a psicanálise e o processo analítico em poucas palavras”, onde digo que a proposta da psicanálise é ajudar a pessoa a se entender, não no sentido de se conhecer por completo, mas sim, discernir as motivações inconscientes dos comportamentos, discernir as fantasias que estão por trás das relações, sintomas, mal-estar, etc.  Na psicanálise, o profissional ajuda a pessoa a se escutar e isso até mesmo quando a pessoa traz a sensação de estar perdido, porque este sentimento, na verdade, pode ser um estar fugindo do seu desejo, fugindo de si mesmo e, a psicanálise possibilita o reconciliar-se consigo mesmo. Porém, no texto pretendo apresentar em poucas palavras como se dá o processo chamado “cura pelas palavras”.   O conflito do recalque   Freud ao investigar os sintomas no corpo

O carnaval como metáfora dos ciclos da experiência humana na psicanálise

O carnaval é uma festa que marca o início e o término de um ciclo na cultura brasileira. Mas o que esse ciclo significa do ponto de vista psicanalítico? Neste texto, vamos explorar como a psicanálise, ao explorar os profundos meandros da mente humana, fornece uma lente única através da qual podemos entender a metáfora do início e término do carnaval como ciclos de experiência humana. Para Freud, o fundador da psicanálise, a mente humana é composta por três instâncias: o id, o ego e o superego. O id é a parte mais primitiva e inconsciente da personalidade, que busca a satisfação imediata dos impulsos biológicos e psíquicos, seguindo o princípio do prazer. Em seguida, ego é a parte racional e consciente da personalidade, que busca o equilíbrio entre os desejos do id e as exigências da realidade externa, seguindo o princípio da realidade. Por sua vez, superego é a parte moral e crítica da personalidade, que representa os valores e normas sociais internalizados pelo indivíduo. A festividad

A Psicanálise e o Processo Analítico em Poucas Palavras

“ A psicanálise não pode ser nada além de uma longa viagem. A destinação (como destino) importa menos que as paisagens percorridas ”.  (Radmila Zygouris)   A psicanálise é o único método para alívio do sofrimento mental e angústias? Podemos pensar que sim, mas, no fundo, isso é um sintoma da psicanálise, porque ela não é o único método para o sujeito se deparar consigo mesmo, até porque a cura em psicanálise tem a ver com a possibilidade de admitir e não com a retirada do sintoma, porém existem outros meios que podem conduzir o sujeito a uma vida mais ou menos confortável dentro da sua condição. O processo analítico poderia ser algo para todo mundo, mas não, ela não é para todo mundo, pelo simples fato de que muitas pessoas não conseguem suportar essa entrada em análise, esse processo é difícil e requer uma combinação de fatores para que se possa sustentar esse desejo minimamente. Dito de outra maneira, não é todo mundo que vai gostar de fazer psicanálise, porque nem todo mundo se