Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de novembro, 2025

O que tentamos comprar quando nada parece bastar?

  A oniomania, ou compulsão por compras, ilumina uma pergunta que acompanha a psicanálise desde seu nascimento:  como lidamos com aquilo que nos falta?  Para Freud, a vida psíquica é movida por uma estrutura simples e profunda: desejamos porque não temos, e nunca teremos tudo. O desejo nasce justamente desse intervalo entre nós e o objeto que supostamente nos completaria. Por isso, nenhum objeto oferece satisfação plena; ele sempre carrega uma promessa de preenchimento, mas também a frustração de não cumprir totalmente aquilo que imaginávamos. No caso das compras compulsivas, o item adquirido funciona como uma tentativa de “resolver” essa falta constitutiva. Mas, como Freud mostra, quando o objeto é usado para encobrir um mal-estar interno, ele se desgasta rapidamente — e o sujeito precisa comprar outro, depois outro, e assim por diante. A modernidade, com seu apelo constante ao consumo, apenas dá nova forma a uma dinâmica que, na verdade, é bem antiga no psiquismo humano...

Entre a ânsia de ter e o tédio de possuir: Schopenhauer à luz da psicanálise

Quando Schopenhauer diz que vivemos “entre a ânsia de ter e o tédio de possuir”, ele está descrevendo algo que todos sentimos no dia a dia: corremos atrás de algo, conquistamos, e pouco tempo depois aquilo perde o brilho. Para ele, isso não acontece porque somos “exigentes demais”, mas porque existe dentro de nós uma força que nunca se satisfaz totalmente — uma vontade básica, sempre inquieta, que nos empurra para frente. Por isso a busca nunca termina, e quando finalmente conseguimos algo, logo surge uma sensação de vazio, como se ainda faltasse alguma coisa. Essa visão nos ajuda a entender por que a vida parece andar em ciclos: queremos, conseguimos, nos cansamos, e voltamos a querer. Freud, por outro caminho, chega a uma compreensão parecida. Ele não fala de uma “vontade metafísica”, mas de pulsões: forças internas que nos movem e buscam se descarregar. A ânsia de ter seria a tensão que sentimos quando algo dentro de nós pede satisfação; já o tédio de possuir aparece quando recebemo...

A formação do psicanalista: entre o impossível, o ético e o inacabado

  I. O paradoxo inaugural: formar-se para o impossível   No campo das profissões, a formação do psicanalista ocupa um lugar singular – e intrinsecamente inquietante. Diferentemente de médicos, advogados ou engenheiros, cuja habilitação se dá por diplomas, estágios e provas de competência técnica, o psicanalista não se constitui pela mera acumulação de conhecimentos nem pela chancela de uma instituição acadêmica. Freud, em um gesto de lucidez radical, nomeou a psicanálise como uma das “profissões impossíveis”, lado a lado com educar e governar. Essa impossibilidade não significa que seja irrealizável, mas sim que se funda numa limitação estrutural: a de dominar o inconsciente, de antecipar o que se passa no outro, de controlar os efeitos da própria presença.   Paradoxalmente, essa impossibilidade não é um obstáculo, mas a própria condição ética da prática. O analista molda-se no reconhecimento de que não existe saber absoluto sobre o sofrimento humano, de que cada sujeito ...

Formação do psicanalista: travessia, ética e responsabilidade na clínica contemporânea

  A formação do psicanalista não é um processo linear nem se reduz à obtenção de um título ou à frequência a cursos e seminários. Trata-se, antes, de uma travessia subjetiva: um percurso de implicação que se constrói no entrelaçamento entre teoria, análise pessoal e prática clínica. Desde Freud, a formação analítica caracteriza-se por uma tensão essencial — ninguém pode formar outro analista no sentido tradicional. O analista se forma na e pela experiência do inconsciente, em um processo que não admite mestria técnica ou pedagógica convencional.   Freud, em  Análise terminável e interminável (1937) , já apontava o caráter interminável da formação analítica. Não há ponto de chegada, e sim um constante movimento de retorno: ao próprio inconsciente, ao texto freudiano, à experiência viva com o paciente. O analista se forma ao confrontar-se com aquilo que, em si mesmo, resiste à simbolização. É por meio desse encontro com o próprio limite que ele pode escutar o limite do outr...

Formação em psicanálise: a eterna travessia de uma profissão impossível

    No vasto campo das profissões, a formação do psicanalista se destaca por sua singularidade e, para muitos, por seu caráter inquietante. Longe dos diplomas e das provas de competência técnica que habilitam médicos, advogados ou engenheiros, o caminho para se tornar psicanalista não se pauta pelo acúmulo de conhecimentos. Sigmund Freud, com sua perspicácia radical, batizou a psicanálise como uma das “profissões impossíveis”, ao lado de educar e governar. Impossível, contudo, não por ser irrealizável, mas porque se ergue sobre uma impossibilidade estrutural: a de dominar o inconsciente, de antecipar o outro, de controlar os efeitos da própria presença.   Essa impossibilidade, paradoxalmente, não é um entrave, mas a própria condição ética da prática. A formação analítica é, antes de tudo, uma travessia subjetiva — um trabalho incessante de transformação de si em instrumento de escuta, capaz de sustentar o vazio e a incerteza do sofrimento humano. Como, então, alguém se to...

Finados: o trabalho psíquico de habitar a ausência

O Dia de Finados oferece, à luz da psicanálise, uma oportunidade singular de pensar a relação do sujeito com a perda e a morte. A morte não é apenas um evento biológico, mas uma experiência psíquica fundante, que confronta o eu com sua condição de falta e com a impossibilidade de onipotência. O que se comemora nesse dia, portanto, não é a morte em si, mas o trabalho psíquico necessário para sustentá-la simbolicamente — aquilo que Freud denominou  Trauerarbeit , o “trabalho do luto”. Em  Luto e Melancolia  (1917), Freud descreve o luto como um processo de desligamento libidinal: o investimento afetivo depositado no objeto perdido precisa ser retirado, pouco a pouco, para que a energia possa ser reinvestida em novos objetos. A perda, nesse sentido, não é um simples “esvaziamento”, mas um processo ativo de transformação psíquica. Quando esse trabalho falha, surge a melancolia — estado em que o sujeito se identifica com o objeto perdido, dirigindo contra si a agressividade qu...
Sua assinatura não pôde ser validada.
Você fez sua assinatura com sucesso.

Newsletter

Assine nossa newsletter e mantenha-se atualizado.