O Natal se tornou, ao longo do tempo, um dos momentos mais intensos de convocação ao consumo. Vitrines iluminadas, propagandas emotivas e discursos sobre “merecimento” constroem a ideia de que a felicidade pode ser adquirida, embrulhada e entregue. O presente passa a ocupar um lugar simbólico central: ele promete reparar ausências, restaurar vínculos e produzir alegria imediata. No entanto, para muitas pessoas, o período termina com um sentimento difuso de frustração ou esgotamento. Algo não se completa. A psicanálise ajuda a compreender esse mal-estar ao mostrar que o vazio que se tenta preencher com objetos não é um erro da vida moderna, mas uma condição estrutural da experiência humana.
Do ponto de vista psíquico, a falta não é algo que possa ser eliminado. É justamente a partir dela que o desejo se constitui. Desejamos porque não somos completos, porque algo nos escapa. Quando o consumo promete preencher essa falta, cria-se uma ilusão potente, porém frágil. O objeto comprado pode produzir prazer, surpresa ou excitação, mas esses efeitos são transitórios. Rapidamente, o encanto se desfaz e a sensação de vazio retorna. Isso não acontece porque escolhemos “o presente errado”, mas porque nenhum objeto é capaz de ocupar o lugar do que é da ordem do afeto, do reconhecimento e do vínculo. O erro não está em desejar, mas em esperar que a coisa substitua aquilo que só pode ser vivido na relação com o outro.
O mercado se apoia exatamente nessa lógica. Ele transforma angústias profundas — solidão, insegurança, medo de não ser amado — em demandas de consumo. Compra-se não apenas um produto, mas uma promessa: a promessa de ser visto, lembrado, valorizado. No Natal, essa engrenagem se intensifica, pois o apelo emocional é maior. O problema é que, ao atribuir ao objeto uma função reparadora, desloca-se o conflito psíquico para o campo do consumo. Quando a promessa não se cumpre, a resposta costuma ser comprar novamente, reiniciando um ciclo que não satisfaz, mas se repete.
Há também um aspecto relacional importante no ato de presentear. Em muitas famílias, o presente funciona como substituto da presença. Ele tenta compensar ausências emocionais antigas, dificuldades de comunicação, culpas não elaboradas ou laços fragilizados. O objeto passa a carregar expectativas excessivas: deve dizer o que não foi dito, reparar o que não foi cuidado, substituir o encontro que não aconteceu. Quando isso ocorre, o presente perde sua leveza simbólica e se torna pesado — tanto para quem dá quanto para quem recebe. O gesto, em vez de aproximar, pode aumentar a distância, pois aquilo que realmente importa permanece intocado.
O consumismo natalino também produz efeitos subjetivos marcados pela comparação e pela culpa. Quem não pode consumir sente-se excluído; quem consome além do limite frequentemente sente vazio ou arrependimento. O valor do sujeito passa a ser medido pela capacidade de comprar, dar ou exibir. O Natal, que poderia ser um tempo de encontro, transforma-se em um espaço silencioso de avaliação: quem deu mais, quem recebeu menos, quem ficou aquém do esperado. Esse clima reforça sentimentos de insuficiência e intensifica sofrimentos psíquicos já existentes.
Questionar o consumismo não significa rejeitar os presentes, mas recolocá-los em seu lugar simbólico. Um presente pode ser expressão de cuidado, lembrança e afeto — desde que não seja convocado a resolver o que é da ordem da falta. O que toca verdadeiramente não é o valor do objeto, mas o sentido que o acompanha. Muitas vezes, o que se deseja não é algo novo para possuir, mas alguém que possa escutar, sustentar um silêncio, reconhecer um limite ou simplesmente estar presente.
Talvez o maior desafio do Natal seja suportar a falta sem tentar apagá-la. Aceitar que nem tudo se resolve, que nem todos os vínculos se harmonizam, que nem todo vazio será preenchido. Paradoxalmente, essa aceitação pode tornar o período menos angustiante e mais humano. Quando deixamos de exigir do objeto o impossível, abrimos espaço para experiências mais simples, mas também mais verdadeiras.
O Natal não precisa ser uma maratona de consumo nem uma prova de felicidade. Ele pode ser um convite a reduzir excessos, a escutar o essencial e a reconhecer que a falta não é inimiga da vida, mas condição do desejo. Quando os objetos deixam de prometer o que não podem dar, o encontro se torna possível. E, nesse encontro, o vazio não desaparece — mas ganha sentido.
Daniel Lima | Psicanalista | @daniellima.pe

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