A chamada dezembrite é um termo popular que passou a nomear um mal-estar bastante reconhecível para muitas pessoas: cansaço extremo, irritabilidade, tristeza difusa, ansiedade e uma sensação de sobrecarga emocional que costuma se intensificar em dezembro. Não se trata de um diagnóstico clínico, mas de uma palavra que ajuda a dar forma a uma experiência comum. Ao nomear algo que antes era vivido de maneira confusa, o termo permite reconhecer que o sofrimento de fim de ano não é individual nem sinal de fraqueza, mas uma resposta a um conjunto de pressões próprias desse período.
O mês de dezembro concentra exigências que se acumulam ao longo do ano. No trabalho, há metas a fechar, prazos a cumprir e avaliações a enfrentar. Na vida pessoal, surgem compromissos familiares, encontros sociais, expectativas de convivência harmoniosa e a ideia de que é preciso “celebrar”. A tudo isso se somam as comparações inevitáveis, muitas vezes alimentadas pelas redes sociais, onde a felicidade parece obrigatória e o sucesso, sempre visível. Nesse cenário, o psiquismo é convocado a dar conta de muito mais do que consegue sustentar.
Há ainda um aspecto menos visível, mas decisivo: dezembro funciona como um tempo de balanço. Quase sem perceber, muitas pessoas se veem revisitando escolhas, perdas, fracassos e frustrações. Ausências ganham mais peso, lutos antigos reaparecem e projetos não realizados se impõem à consciência. O fim do ano, assim, não cria o sofrimento, mas o intensifica. Ele age como uma lente de aumento que torna mais nítido aquilo que foi adiado, silenciado ou suportado ao longo dos meses.
É importante distinguir esse mal-estar de fim de ano de quadros clínicos específicos, como transtornos depressivos ou ansiosos. Embora os sintomas possam se parecer, a dezembrite costuma estar fortemente ligada ao contexto social e simbólico do período. Ainda assim, quando a tristeza se torna persistente, a desesperança domina os dias ou há prejuízo significativo da vida cotidiana, é fundamental buscar avaliação profissional. Reconhecer limites é parte essencial do cuidado.
Muitos textos sobre o tema oferecem estratégias práticas — diminuir compromissos, organizar a agenda, reservar momentos de descanso. Essas orientações são valiosas, mas não esgotam a questão. Nem todo sofrimento se resolve com planejamento. Às vezes, o que pesa não é o excesso de tarefas, mas o confronto com perguntas difíceis: “era isso que eu esperava da minha vida?”, “o que ficou pelo caminho?”, “o que faço com o tempo que passa?”. Essas perguntas não pedem respostas rápidas, mas espaço psíquico para serem sustentadas.
Nesse sentido, a dezembrite pode ser entendida como um sintoma do nosso tempo. Vivemos em uma cultura que exige produtividade, felicidade e gratidão constantes, mesmo quando o corpo e a mente estão exaustos. O fim do ano expõe essa contradição: somos convidados a festejar justamente quando estamos mais cansados. Para muitos, dezembro não é apenas celebração, mas também cobrança, comparação e preocupação com o futuro imediato.
Atravessar esse período com mais cuidado implica aceitar que nem todo fim de ano será leve ou alegre. Colocar limites, escolher o que é possível, respeitar o próprio ritmo e nomear o que se sente são gestos simples, mas profundos. Talvez o maior aprendizado seja este: o fechamento de um ano não precisa ser um julgamento final sobre quem somos ou sobre o valor da nossa história. Às vezes, basta reconhecer o cansaço, acolher o que dói e seguir adiante com um pouco mais de gentileza consigo mesmo.
Daniel Lima | Psicanalista | @daniellima.pe

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