Você já parou para pensar no que o Tinder — e outros aplicativos de relacionamento — revelam sobre como nos relacionamos hoje? Muito além de uma ferramenta para marcar encontros, essas plataformas escancaram algo mais profundo: a forma como o amor, o desejo e os vínculos se transformaram na era da velocidade, da hiperconexão e do consumo afetivo.
A gente vive o que o sociólogo Zygmunt Bauman chamou de modernidade líquida: tudo muda rápido, nada parece durar muito, e as relações humanas entram nessa mesma lógica. Os vínculos estão mais frágeis, menos comprometidos, mais “descartáveis”. E o Tinder é quase um símbolo disso. Deslizar para a direita ou para a esquerda se tornou uma metáfora do quanto passamos a escolher — e também a excluir — pessoas com um simples movimento de dedo, como quem escolhe uma roupa ou um filme na Netflix.
Nesse contexto, como fica o amor? Como lidar com esse desejo de conexão em um ambiente em que tudo parece girar em torno da performance, da imagem e da promessa de prazer imediato?
A filósofa e socióloga Eva Illouz chama a atenção para o fato de que estamos vivendo um tempo em que as emoções também entraram no “mercado”. A gente gerencia afetos como quem organiza uma planilha: com estratégia, tempo curto e foco no resultado. E o resultado, muitas vezes, é a frustração. Porque por trás da infinidade de opções e da praticidade dos encontros rápidos, tem muita gente se sentindo sozinha, rejeitada ou sem saber como construir algo mais profundo.
A psicanálise pode nos ajudar a entender isso de um jeito mais cuidadoso. Freud dizia que o amor está sempre atravessado por ambivalência e por uma certa dose de dor. Amar é arriscar. E Lacan lembrava que o desejo é sempre falta — ou seja, nunca é algo que se resolve com completude. Mas os aplicativos vendem a ilusão de que dá pra eliminar o risco: você escolhe, combina, cancela. O outro vira quase um produto, pronto para ser “consumido” ou descartado conforme a conveniência.
Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano, diz que vivemos numa sociedade do narcisismo: a gente quer encontrar no outro uma extensão de si mesmo. Mas o verdadeiro encontro exige aceitar que o outro é diferente, que não se encaixa perfeitamente no nosso molde. É essa diferença que nos transforma. Donald Winnicott, psicanalista inglês, dizia que relações reais exigem reconhecer o outro como alguém separado, com vontade própria — e que isso nem sempre é fácil.
Tem ainda um ponto delicado: para algumas pessoas, essa dinâmica de encontros e desencontros rápidos pode reativar feridas antigas. O psicanalista Sándor Ferenczi nos ajuda a pensar em como experiências de rejeição, abandono ou humilhação, vividas lá atrás, podem se repetir inconscientemente nos relacionamentos atuais. O famoso “ghosting”, por exemplo — quando a pessoa simplesmente desaparece — pode ser mais do que um incômodo. Pode machucar fundo.
Claro que os aplicativos não são os vilões da história. Eles fazem parte do nosso tempo, facilitam encontros e ampliam possibilidades. O problema é quando a lógica deles se instala nas nossas formas de amar: tudo rápido, sem profundidade, sem elaboração. Como lembra Antonino Ferro, o que cura é a capacidade de criar novas histórias para velhas dores. Mas para isso, é preciso espaço, escuta e tempo — três coisas difíceis num mundo de conexões instantâneas.
No fim das contas, talvez amar hoje seja um gesto de resistência. Resistir ao impulso do descarte, à busca da perfeição, à ansiedade por resultados rápidos. Amar como quem se permite errar, ficar, conversar, se frustrar, transformar. Porque, apesar de tudo, ainda somos seres de encontro. E nenhum “match” vale mais do que um vínculo que, mesmo imperfeito, é vivido de verdade.
A gente vive o que o sociólogo Zygmunt Bauman chamou de modernidade líquida: tudo muda rápido, nada parece durar muito, e as relações humanas entram nessa mesma lógica. Os vínculos estão mais frágeis, menos comprometidos, mais “descartáveis”. E o Tinder é quase um símbolo disso. Deslizar para a direita ou para a esquerda se tornou uma metáfora do quanto passamos a escolher — e também a excluir — pessoas com um simples movimento de dedo, como quem escolhe uma roupa ou um filme na Netflix.
Nesse contexto, como fica o amor? Como lidar com esse desejo de conexão em um ambiente em que tudo parece girar em torno da performance, da imagem e da promessa de prazer imediato?
A filósofa e socióloga Eva Illouz chama a atenção para o fato de que estamos vivendo um tempo em que as emoções também entraram no “mercado”. A gente gerencia afetos como quem organiza uma planilha: com estratégia, tempo curto e foco no resultado. E o resultado, muitas vezes, é a frustração. Porque por trás da infinidade de opções e da praticidade dos encontros rápidos, tem muita gente se sentindo sozinha, rejeitada ou sem saber como construir algo mais profundo.
A psicanálise pode nos ajudar a entender isso de um jeito mais cuidadoso. Freud dizia que o amor está sempre atravessado por ambivalência e por uma certa dose de dor. Amar é arriscar. E Lacan lembrava que o desejo é sempre falta — ou seja, nunca é algo que se resolve com completude. Mas os aplicativos vendem a ilusão de que dá pra eliminar o risco: você escolhe, combina, cancela. O outro vira quase um produto, pronto para ser “consumido” ou descartado conforme a conveniência.
Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano, diz que vivemos numa sociedade do narcisismo: a gente quer encontrar no outro uma extensão de si mesmo. Mas o verdadeiro encontro exige aceitar que o outro é diferente, que não se encaixa perfeitamente no nosso molde. É essa diferença que nos transforma. Donald Winnicott, psicanalista inglês, dizia que relações reais exigem reconhecer o outro como alguém separado, com vontade própria — e que isso nem sempre é fácil.
Tem ainda um ponto delicado: para algumas pessoas, essa dinâmica de encontros e desencontros rápidos pode reativar feridas antigas. O psicanalista Sándor Ferenczi nos ajuda a pensar em como experiências de rejeição, abandono ou humilhação, vividas lá atrás, podem se repetir inconscientemente nos relacionamentos atuais. O famoso “ghosting”, por exemplo — quando a pessoa simplesmente desaparece — pode ser mais do que um incômodo. Pode machucar fundo.
Claro que os aplicativos não são os vilões da história. Eles fazem parte do nosso tempo, facilitam encontros e ampliam possibilidades. O problema é quando a lógica deles se instala nas nossas formas de amar: tudo rápido, sem profundidade, sem elaboração. Como lembra Antonino Ferro, o que cura é a capacidade de criar novas histórias para velhas dores. Mas para isso, é preciso espaço, escuta e tempo — três coisas difíceis num mundo de conexões instantâneas.
No fim das contas, talvez amar hoje seja um gesto de resistência. Resistir ao impulso do descarte, à busca da perfeição, à ansiedade por resultados rápidos. Amar como quem se permite errar, ficar, conversar, se frustrar, transformar. Porque, apesar de tudo, ainda somos seres de encontro. E nenhum “match” vale mais do que um vínculo que, mesmo imperfeito, é vivido de verdade.
Daniel Lima | Psicanalista | @daniellima.pe
Belo texto, como sempre,hoje as pessoas não sabem o que querem, vivem em uma arte de escolhas,e momentos,nem se dão conta que tudo passa, e o tempo não espera e depois não temos mais oportunidades.
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