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O Problema Maior Não é a Baleia Azul!

Atualmente o jogo baleia azul trouxe a tona um assunto pouco debatido: o suicídio. Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), tirar a própria vida é a segunda principal causa da morte para pessoas de 15 a 29 anos e já mata mais que o HIV. A cada 40 segundos, uma pessoa no mundo tira a própria vida e nestas estatísticas pelo menos 32 brasileiros se matam diariamente. Para cada caso fatal há pelo menos outras 20 tentativas fracassadas. Se houvesse prevenção, 9 entre 10 pessoas ainda estariam vivas, de acordo com a OMS.  Por esta razão, o psicólogo chileno Marco Antonio Campos, representante do Chile na Associação de Suicidologia para América Latina e Caribe, questiona: 

"Como podemos prevenir o suicídio se não falarmos sobre ele? Como podemos perder o medo da morte se não falarmos sobre isso?".

O jogo da Baleia Azul nasceu na Rússia, em 2015, e se tornou conhecido no Brasil em 2017. Muitos jovens são atraídos por desafios apresentados em jogos eletrônicos pela internet, que estimulam suas emoções e colocam à prova a sua capacidade de realizações e coragem. No entanto, os desafios que a Baleia Azul impõe tem um viés criminoso preocupante, uma vez que os chamados "curadores", por meio de mensagens enviadas pelas redes sociais, estimulam ou instigam o suicídio entre os participantes. O funcionamento do jogo tem uma lógica voyerista, pela qual um jovem cumpre tarefas, como se automutilar, e as registra em vídeos enviados ao “curador”. Não há como avançar no desafio sem submeter vídeos ou fotos que comprovem o cumprimento de cada um dos passos.
O psicanalista Tiago Corbisier Matheus, autor do livro Adolescência: Clínica Psicanalítica (Casa do Psicólogo, 2012) diz o seguinte: "Quando os jovens encontram, no meio virtual, possibilidades de circulação social, por um lado os pais acham 'ah, meu filho está dentro de casa, protegido'. Mas, ao mesmo tempo, eles estão expostos a uma série de outros estímulos que os pais desconhecem". No entanto, o problema não é a tecnologia e o que ela proporciona, mas sim a tendência de os pais sempre estarem mais predispostos a controlar os filhos do que realmente ouvi-los. De modo geral, a internet não é boa nem má, mas entre o adolescente e a tecnologia se faz necessário o gerenciamento dos pais. Deixar o filho solto não dá, porém, também não é algo que possa ser feito de forma invasiva.
Portanto, diante disso, o que podemos fazer? 1) Identificar essas fragilidades, ou tendência depressiva/suicida; 2) criar meios de ajuda construindo pontes relacionais; 3) escutar de maneira empática, isto é, escutar atentamente o que está sendo anunciado na sua fala de forma explicita ou não; 4) instruir o jovem a procurar ajuda profissional quando preciso; 5) discutir abertamente sobre o tal jogo e outros assuntos pertinentes. Sendo assim, é fundamental criar um espaço de fala onde os jovens expressem incômodos causados por qualquer jogo ou situação em que se envolveu, pois eles apresentam sinais que são verdadeiros gritos de socorro. Contudo, é de vital importância a presença dos pais fortalecendo vínculos afetivos com seus filhos estabelecendo confiança, de modo que os jovens tenham a certeza de um porto seguro. Afinal, sua presença é insubstituível, não tente substituí-la com presentes.

Daniel Lima
Psicanalista

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