"O inconsciente não é perda de memória, é não recordar daquilo que se sabe."
(Jacques Lacan, 1968b, p. 35).
O conceito de doença só pode existir em relação a — e por comparação a — um estado ideal de saúde. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de enfermidades. Para alguns filósofos pré-socráticos, o corpo é uma realidade dinâmica, cujos múltiplos estados jamais poderão ser completamente definidos ou moralizados.
No Egito antigo, a epilepsia era vista como um sinal de comunicação direta das divindades com o indivíduo. Já na Idade Média, era interpretada como possessão demoníaca. Atualmente, entende-se como um desequilíbrio elétrico cerebral que deve ser tratado e combatido. Michel Foucault, filósofo francês, conclui em sua obra "História da Loucura" que atribuir valor de doença ou saúde aos distintos estados corporais humanos é um projeto para alcançar e manter o poder. Quem regulamenta o que é permitido ou proibido como manifestação corporal em determinado momento histórico controla os corpos e domina a estrutura social. Assim, o que hoje chamamos de doença mental pode ser apenas um estado possível do organismo que, por razões históricas diversas, não se adequa ao atual padrão de produtividade e relações sociais.
De maneira muitas vezes incompreensível para a maioria de nós, doença e saúde também são construções sociais. Portanto, além do diagnóstico, o esforço deve ser reconhecer nas pessoas não um rótulo, necessariamente temporal e economicamente definido, mas uma pessoa em sua complexidade e singularidade.
O psicanalista Jacques Lacan oferece uma crítica às doenças mentais, levando-nos a refletir sobre o sintoma e o sofrimento. O sofrimento psíquico é real e faz parte da história humana. É vital compreender a origem de cada dor, ser capaz de construir um discurso narrativo sobre ela, e sentir que foi reconhecida.
A psicanálise é um método terapêutico criado por Sigmund Freud, que reconhece o sofrimento psíquico do sujeito. Este método consiste fundamentalmente na interpretação, por um psicanalista, dos conteúdos inconscientes de palavras, ações e produções imaginárias de um indivíduo, baseando-se em associações livres e na transferência. No entanto, o inconsciente não é um lugar distante, mas sim um espaço em nós de movimento, onde organizamos as experiências internas e externas e suas consequentes sensações num todo que nos habilita a relacionar tanto com a realidade compartilhada com os outros quanto com a nossa própria.
Aprender a escutar e acessar um saber não sabido, mas que rege a vida, é essencial para viver melhor. A psicanálise não é apenas uma teoria; é um método de pesquisa do psiquismo humano, mas, sobretudo, uma abordagem clínica e técnica que ainda hoje permite a inúmeros pacientes resolver conflitos inconscientes que não conseguiriam resolver por outros meios. (Jean-Michel Quinodoz, 2007). Um processo psicanalítico também é repensar a vida para poder reinventá-la através da resolução de conflitos inconscientes.
Daniel Lima
Psicanalista
Comentários
Postar um comentário