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A ansiedade na modernidade: desafios e perspectivas psicanalíticas.




"Enquanto o tempo acelera e pede pressa
Eu me recuso, faço hora, vou na valsa
A vida é tão rara
Enquanto todo mundo espera a cura do mal
E a loucura finge que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência
E o mundo vai girando cada vez mais veloz
A gente espera do mundo e o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência."
– Lenine, "Paciência"

O mundo atual é cada vez mais turbulento, marcado por mudanças e descobertas que afetam a vida humana em diversos aspectos: emocional, profissional, pessoal, etc. Tudo ao nosso redor acontece de forma muito rápida. Com isso, algumas pessoas vivem com a sensação permanente de que algo desconfortável ou catastrófico pode ocorrer. Na tentativa de evitar ameaças imaginárias, muitos deixam de ir a uma festa com receio de sofrer um ataque de pânico ou de enfrentar o julgamento alheio. Felizmente, há tratamento, mas o primeiro passo é reconhecer quando a preocupação ultrapassa os limites e buscar ajuda profissional.

Quem nunca ouviu antigos provérbios populares que mencionam a vida acelerada? “A paciência é uma virtude”, “devagar se vai ao longe” ou “o apressado come cru”. Esses ditos dificilmente encontram espaço em nosso cotidiano, em que geralmente desejamos que tudo seja perfeito e, se possível, "para ontem", gerando, assim, a ansiedade.

O termo "ansiedade" deriva do latim e significa "estrangular, sufocar, oprimir". A ansiedade é uma característica biológica do ser humano que antecipa situações de perigo, reais ou imaginárias. A vida moderna apresenta expectativas múltiplas e intensas que mantêm as pessoas em constante “estado de alerta", e cada um reage de maneira distinta. Querendo ou não, independentemente das motivações, ninguém está isento de momentos de ansiedade, em diferentes intensidades. Algumas pessoas roem as unhas, outras perdem o sono ou o apetite diante de situações importantes, como uma prova ou uma entrevista de emprego.

Para a psicanálise, a ansiedade desempenha um papel importante no processo de adaptação e equilíbrio do indivíduo. Está associada à experiência de um temor internalizado que pode se originar de várias fontes do aparelho psíquico. A angústia (ansiedade) mobiliza os recursos internos do indivíduo para resolver seu impasse existencial e seus conflitos. Reconhecer-se como finito, não onipotente, imperfeito, e passível de morte e desagregação desmonta a crença narcísica do indivíduo. Somente através da aceitação de sua finitude e de sua frustração é que o indivíduo encontra saídas sublimatórias para seus conflitos.

Daniel Lima
Psicanalista

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