
Em qualquer pandemia, é esperado que estejamos frequentemente em estado de alerta, preocupados, confusos, estressados e com a sensação de falta de controle diante das incertezas do momento. Estudos estimam que entre um terço e metade da população exposta a uma epidemia pode vir a sofrer alguma manifestação psicopatológica (sofrimento psíquico), caso não procure ajuda especializada para intervenções necessárias de cuidado específico em relação às reações e sintomas manifestados.
Em nosso país, há 100 anos não enfrentamos uma grande doença como essa. Apesar de seu caráter coletivo, de estarmos passando por um choque abrupto simultaneamente, isso não significa que todos terão os mesmos recursos e apresentarão os mesmos tipos de resposta. O isolamento pode intensificar sentimentos de desamparo, tédio, solidão e tristeza. Entre as reações comportamentais mais comuns estão: alterações ou distúrbios de apetite (falta de apetite ou apetite excessivo); alterações ou distúrbios do sono (insônia, dificuldade para dormir ou sono excessivo, pesadelos recorrentes); e conflitos interpessoais (com familiares, equipes de trabalho, etc.).
Isso também não garante que, mesmo estando acompanhados por profissionais especializados, não possamos experimentar temores ou até mesmo solidão. Parece que nosso modo de lidar com a vida é colocado à prova, e nesse momento nossos sintomas podem aflorar e se destacar, o que pode nos causar problemas. As reações mais frequentes incluem o medo de: adoecer e morrer; perder as pessoas que amamos; perder os meios de subsistência ou não poder trabalhar durante o isolamento e ser demitido; ser excluído socialmente por estar associado à doença; ser separado de entes queridos e cuidadores devido à quarentena; não receber suporte financeiro; e transmitir o vírus a outras pessoas. É comum também a sensação recorrente de impotência diante dos acontecimentos, irritabilidade, angústia e tristeza.
Diante disso, o que a psicanálise teria a contribuir nesta pandemia de Covid-19? É importante dizer que o indivíduo não precisa passar por isso sozinho. Sabe-se há bastante tempo que falar pode produzir bons efeitos para a pessoa. Historicamente, a medicina sempre destinou grande valor à fala em sua prática clínica. Embora não tenha sido uma descoberta da psicanálise, foi Freud quem deu destaque à fala na criação da psicanálise. No início de sua prática clínica, uma de suas pacientes chamou o tratamento recebido de “talking cure”, ou cura pela fala. Assim, solicita-se que o paciente fale o que lhe vem à mente, deixando de lado julgamentos e preconcepções. A proposta da psicanálise é que o paciente possa se encontrar com o que fala e com o que é dito em sua fala, de modo que é o próprio paciente quem pode dizer algo sobre seu sofrimento singular. Somos seres de linguagem, nos constituímos nela e, através dela, podemos nos desvencilhar de algo, criar novas direções e dar novos significados.
Daniel Lima
Psicanalista
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