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A pane nas redes sociais e a dependência quase que umbilical delas.

       

As redes sociais da empresa comandada por Mark Zuckerberg saíram do ar na segunda-feira, 4 de outubro de 2021. Para alguns, foi uma maravilha; para outros, motivo de desespero e ansiedade, além dos prejuízos financeiros que alguns experimentaram. Muitos de nós desenvolvemos uma relação de dependência com as redes sociais. Diversas pessoas relataram ansiedade na ausência dessas plataformas, equiparando a sensação a um desamparo. Para aqueles que se sentiram assim, o momento é propício para reavaliar a relação com as redes sociais, ou seja, uma oportunidade para mudar hábitos em relação às plataformas. Estudamos e analisamos nossa dependência em várias camadas das redes sociais, mas a queda recente nos permitiu observar esse fenômeno e suas consequências emocionais, econômicas, políticas e comportamentais.

Um comentário interessante que ouvi foi de uma colega que disse: "Nossa! Foi muito boa essa paralisação das redes sociais, porque só assim pude conversar e almoçar com meu marido olhando nos olhos, sem ter que dividir aquele momento com o smartphone." Outros perceberam a pia cheia de pratos, os animais de estimação, a família, aproveitaram para ler; antes, aprisionados às redes sociais, não percebiam que essas eram coisas essenciais. Contudo, o mais intrigante é que temos o livre-arbítrio de excluir nossas redes sociais, mas não o fazemos, o que revela um pouco de nossa dependência dessas plataformas. Com frequência, vemos pessoas que viajam para um lugar inédito, mas, em vez de desfrutarem da experiência estética do local, priorizam tirar fotos com o objetivo de publicar e receber curtidas e comentários, e não apenas para registrar momentos. Assim, perdem a chance de desfrutar daquele instante plenamente. Outra situação comum é quando uma família sai para jantar e cada um se isola, interagindo apenas com quem está distante. Fotografam o prato, a comida, a bebida, marcam o restaurante e, em seguida, respondem aos comentários das fotos. O que deveria ser um momento de lazer se transforma em um período silencioso, vazio e solitário, sem mencionar o quão prejudicial isso é para a saúde mental dos jovens.

Hoje, observamos adolescentes focados no que deveriam e poderiam ser, almejando alcançar o suposto sucesso representado por alguém no Instagram, desejando ter a mesma quantidade de curtidas e comentários. Aqui, percebemos um abismo entre duas estruturas que Freud nos apresentou no texto "Introdução ao narcisismo" (1914): o "eu ideal" e o "ideal de eu". O "eu ideal" resulta do narcisismo primário; o bebê, ao nascer, sente-se onipotente, com um corpo autoerótico, satisfazendo suas pulsões no próprio corpo, mas também é influenciado pelos desejos dos pais, como "ele será um empresário bem-sucedido" ou "ela será modelo". O "eu ideal" é a base de nossa autoestima e segurança; quando comportamentos que não desejamos para nós se apresentam, não sentimos a necessidade da validação alheia para sermos aceitos. Já o "ideal de eu" vem de fora; frequentemente, os desejos dos pais ajudam a construir o ego do bebê, mas, simultaneamente, essa imposição de sonhos dos pais como metas sufoca a existência da criança, limitando suas possibilidades de ser. Atualmente, muitos pais anseiam que seus filhos ganhem fama e reconhecimento, filmam vídeos engraçados e compartilham para ganhar curtidas e comentários, e a criança cresce em torno dessas imposições externas que não escolheu. Tais imposições reduzem o "eu ideal", ou seja, a essência de quem somos, criando exigências muitas vezes inalcançáveis. Desse modo, tudo que tomamos como modelo se torna o fator que valida nossa existência — "Se eu tiver aquela roupa da digital influencer, talvez me aproxime mais daquela realidade e seja feliz"; "Se minha foto receber muitas curtidas, talvez eu consiga ser feliz".

Existem diversas imposições que vêm de fora para dentro, esmagando a essência do nosso eu. Em "Luto e melancolia" (1917 [1915]), Freud discute as identificações narcísicas com os objetos, onde as pessoas só existem em companhia, fundidas com aquele objeto. Por exemplo, pessoas que, em vez de se apresentarem, dizem: "Sou Digital Influencer com tantos seguidores", ou "Sou dono de tal empresa". Aqui, podemos perceber a fusão entre a posição social e cultural que a pessoa ocupa e sua existência, gerando um conflito entre o "eu ideal" e o "ideal de eu". Se a pessoa se identifica com o objeto ou com o lugar que ocupa, perdendo-o, também perde a validação de sua existência, o que gera um sentimento de vazio inominável. Foi o que muitos sentiram quando as redes entraram em colapso: "O que farei agora se passo horas assistindo vídeos e observando a vida dos outros?". O feed do Instagram está sobrecarregado de informações, exigindo que nosso cérebro se adapte a esse excesso. Para sobreviver às redes sociais, precisamos filtrar o que é benéfico e identificar o que desperta angústia, ansiedade e vazio, sabendo quando se afastar para não adoecer.

Precisamos esperar um apagão das redes sociais para perceber o quanto elas podem ser tóxicas? A queda, embora inquietante, também expôs nossa forma de existência, marcada pelo uso que fazemos delas. Atualmente, as pessoas buscam hábitos mais saudáveis, praticando exercícios e melhorando a alimentação quando sentem exaustão ao subir escadas; da mesma forma, devemos ser com nossa saúde mental. Se você percebeu ansiedade com a pane das redes sociais, é um sinal de que precisa entender seus efeitos negativos.

Daniel Lima

Psicanalista.

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