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O prazer imediato nos faz mais vazios.



O prazer imediato proporcionado pela hiperconexão digital, como descrito na imagem, pode ser compreendido pela psicanálise contemporânea como manifestação de uma tentativa de evitar o vazio existencial. Freud descreveu o princípio do prazer como uma busca constante por satisfação, mas ponderou que a realização imediata frequentemente não é suficiente para promover o bem-estar psíquico. Cada curtida ou notificação gera uma descarga de dopamina, traduzida em pequenas satisfações momentâneas, mas não possibilita a elaboração de desejos mais profundos, deixando o sujeito em um ciclo constante de busca e frustração.

Sob a perspectiva de Lacan, essa dinâmica pode estar relacionada à ilusão de completude que o sujeito atribui ao objeto fornecido pelas interações digitais. Ao buscar validação instantânea no olhar do outro, representado pelas curtidas e mensagens, o sujeito evita lidar com sua falta estrutural – aquilo que nunca pode ser plenamente preenchido. No entanto, essa tentativa de tamponar o vazio com satisfações rápidas apenas intensifica a sensação de incompletude, criando a impressão de um vazio ainda maior quando os estímulos cessam.

Assim, baseando-se na psicanálise contemporânea, é possível propor uma reflexão sobre a qualidade das experiências que escolhemos alimentar em nosso dia a dia. Trocar o prazer profundo – aquele que surge da introspecção, da construção de vínculos significativos e do contato autêntico consigo mesmo – por pequenas doses de satisfação fugaz pode levar à alienação em relação aos próprios desejos. A reconexão com o tempo interno e a elaboração dos próprios conflitos torna-se essencial para que o sujeito encontre maneiras mais significativas de se relacionar, consigo e com o outro, além das telas.

Daniel Lima
Psicanalista.

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