Há momentos em que o mundo interno parece ruir. Uma culpa que não se explica, uma vergonha que corrói por dentro, a sensação de não caber em si — tudo isso pode surgir como uma onda que arrasta consigo qualquer traço de estabilidade. Nessas horas, a dor parece maior do que a própria capacidade de existir. Mas é justamente nesse desamparo que algo essencial está tentando emergir. Algo que, embora sem palavras, pede escuta, cuidado e reconhecimento.
A psicanálise nos ensina que certas dores não nascem no presente, mas reaparecem como ecos de vivências precoces, quando ainda não havia um ambiente suficientemente bom para sustentar o ser. Muitas vezes, basta um comentário aparentemente inofensivo para desencadear uma reação intensa — não por conta do conteúdo em si, mas porque ele toca, sem querer, regiões psíquicas ainda abertas, onde habita uma criança não acolhida, marcada por experiências de falha, abandono ou não-reconhecimento.
Essa culpa que insiste em dizer que você não tem valor, que não merece coisas boas ou que “é um lixo”, não expressa uma verdade sobre quem você é. Ela é, antes, a forma que a mente encontrou para dar conta de uma dor que parecia insuportável. Uma tentativa arcaica de controle: se eu me culpar o bastante, talvez consiga manter o outro por perto. Talvez, assim, eu evite o abandono. Mas esse preço psíquico é alto demais — e desnecessário.
A angústia profunda, os pensamentos autodestrutivos, o sentimento de fracasso — nada disso é sinal de fraqueza. Pelo contrário: são expressões de um self em sofrimento, tentando sobreviver ao colapso interno. O que está vindo à tona, por mais doloroso que pareça, é uma parte sua que ainda não aprendeu outra forma de existir senão pelo autoataque. E talvez o primeiro gesto de cuidado seja apenas reconhecer: essa dor tem história, tem sentido, tem raiz. E ela merece ser escutada com gentileza.
A boa notícia é que você não está sozinha. O simples fato de colocar em palavras o que sente já é, por si só, um ato de força e de confiança. Mesmo no caos, há em você uma parte viva que ainda deseja ser acolhida. Essa parte é preciosa. Ela aponta para o início de uma possível reconstrução do ambiente interno — mais seguro, menos punitivo, mais seu.
Não há atalhos nesse processo. Não se trata de consertar nada, porque você não é um erro. Você é alguém em travessia, tentando encontrar formas menos cruéis de habitar a própria vida. E isso leva tempo. Às vezes, tudo que se pode fazer é permanecer — respirar, esperar, confiar que mesmo quando tudo parece escuro, a tempestade, como todas as outras, também passará.
E se agora você não consegue ver uma saída, tudo bem. Você não precisa ver sozinha. Há quem esteja disposto a caminhar ao seu lado, a sustentar com você essa travessia até que ela faça sentido. O verdadeiro cuidado não se impõe, não pressiona. Ele oferece presença. E você merece essa presença. Você merece existir sem precisar provar nada. E, talvez sem saber, já é muito mais forte do que imagina.
Daniel Lima | Psicanalista | @daniellima.pe
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